01 May
01May

A 93ª cerimônia do Oscar que aconteceu no dia 25 de abril em Los Angeles, numa estação cerceada com os protocolos sanitários contra a covid-19 foi marcada por um clima de grandes emoções, mas também de novidades que nos pegaram de surpresa. É muito interessante notarmos que quando olhamos para o conjunto de produções que foram indicados às Categorias da premiação, vemos que os longas estão marcados por histórias muitos intimistas, pessoais e com reflexões profundas que nos levam a questionar nossa existência e também a nossa condição humana, reflexos, talvez, do momento de pandemia que assolou todo o mundo. 

Filmes que trouxeram para o primeiro plano crises econômicas, temas raciais, cultura nômade, rotina trabalhista, presença feminina, superação do luto e da depressão, drama familiar e atuações que romperam os muros hollywoodianos foram os destaques da edição deste ano. Claro que não podemos deixar de mencionar que em quase um século de tradição, essa é a primeira vez que a Academia indicou duas mulheres cineastas para concorrerem aos maiores prêmios da noite: Melhor Direção e Melhor Filme. A diretora Chloé Zhao, asiática, não-americana e não-branca concorreu ao lado de Emerald Fennell nas duas categorias. Lugares que a vida toda foi ocupado por homens brancos e de Hollywood, dessa vez deu lugar a duas diretoras que trouxeram temas pertinentes e de cunho social. Zhao, venceu nas duas categorias com o filme Nomadland tornando-se a segunda mulher na história do cinema a ocupar esse lugar. A primeira foi Kathryn Bigelow em 2010 por Guerra ao terror. 


“Druk – Mais uma Rodada” vence como Melhor Filme Internacional 

Voltando ao tema de nosso artigo, na Categoria de Melhor Filme Internacional, o longa dinamarquês Druk – Mais uma rodada (Druk – Another Round) de Thomas Vintenberg, venceu a categoria da noite. A primeira cerimônia do Oscar aconteceu em 1929, no entanto, somente em 1957 que a Academia criou uma categoria para premiar os longas predominantemente não falados em inglês, produzidos fora dos EUA. Em 2019, a Academia resolveu mudar um pouco essa Categoria até então chamada de Melhor Filme em Língua Estrangeira (que, inclusive, é o mesmo nome no Globo de Ouro). A partir de então, a categoria passou a ter o nome de Melhor Filme Internacional. A decisão ocorreu afim de trazer um termo que indique uma visão mais “positiva e inclusiva”, algo que não era muito visto com a expressão “estrangeiro”. 

Portanto, tal categoria tem cinco vagas. Cada país – não-inglês – só pode inscrever um longa original com mais de 40 minutos e mais de 50% dos diálogos em língua não-inglesa. Neste ano de 2021, o longa Druk da Dinamarca concorreu ao lado de O Homem que vendeu sua pele (Kaouther Ben Hania, 2021 – Tunísia); Quo vadis, Aida? (Jasmila Žbanić, 2020 – Bósnia); Batter Days (Kwok Cheung Tsang, 2019 – Hong Kong) e Collective (Alexander Nanau, 2020 – Romênia). Feita a seleção, num intervalo de duas semanas antes da entrega do Oscar, a Academia divulga a lista de todos os indicados. Pode acontecer de um longa internacional concorrer também na Categoria de Melhor Filme, como foi o caso de Parasita de Bong Jo-Hoo e, neste ano, de Minari – Em busca da felicidade de Lee Isaac Chung, ambas produções coreanas. 


Druk e o drama da profissão 

Por fim, hoje, dia primeiro de maio, o Brasil celebra o Dia do Trabalhador. Há uma possível releitura do longa de Vintenberg nessa ótica trabalhista, sobretudo nas condições que estamos vivenciando atualmente. Como afirmamos, o caráter intimista perpassa todas as produções dos longas indicados ao Oscar deste ano. Reflexo muito fiel do tempo que vivemos, nos quais, dos estúdios artísticos e cinematográficos que não encerraram suas atividades ou decretaram falências, os que restam se readaptam em suas estruturas afim de continuar mantendo viva a sétima arte. 

Em Druk – Mais uma Rodada, vemos um quarteto de professores que decidem realizar um experimento estapafúrdio e sem precedentes afim de dinamizar e dar um sentido novo em suas atividades curriculares. Martin (Mads Mikkelsen), Tommy (Thomas Bo Larsen), Nikolaj (Magnus Millang) e Peter (Lars Ranthe) veem-se pressionados por um sistema educacional rigoroso. Tal pressão os coloca em crise criativa e trabalhista a ponto de não conseguirem desenvolverem com segurança suas aulas. Os jovens alunos, como em qualquer outro lugar ou país apresentam seus velhos níveis de rebeldia e, basta notarem a insegurança de um docente para que eles se tornem os donos da sala de aula manipulando os adultos que nela tentam frequentar. 

O longa dá um protagonismo mais a Martin que, quando junto aos velhos amigos Tommy, Peter e Nikolaj, decidem realizar um experimento alcoólico dando a eles novo vigor nas salas de aula. É angustiante assistir tantas cenas regadas a bebedeiras descontroladas e aos mais variados litros de álcool. A própria palavra “druk” remete a algo como bêbado ou bebedeira. O experimento funciona, os quatro professores conseguem retomar o lugar de docente nas salas de aula. Os alunos deixam as distrações de lado e tornam estudantes exemplares, inclusive com aprovação total no exame final que os lançaria para a faculdade dos sonhos. 


Druk e a reflexão para o Dia do Trabalhador 

Druk quando é visto nos dias de hoje, em 2021, torna-se um retrato real do que a massa trabalhista vive e sofre. Os bloqueios, não só criativos, mas emocionais, sociais, as pressões psicológicas que muitos vivem em seus locais de trabalho. Os direitos trabalhistas que são vetados constantemente. As situações de exploração; a pandemia e o desemprego; a situação de extrema pobreza que a cada dia atinge um número assustador de famílias brasileiras são elementos que levam as pessoas a adquirem hábitos que põe em risco, não só a vida, mas a condição saudável e mental. 

Mesmo o filme dinamarquês ter protagonizado os quatro homens, há uma narrativa em segundo plano que é protagonizada pela coadjuvante Maria Bonnevie que faz Anika, esposa de Martin. Ela é uma profissional da saúda com seus plantões noturnos no hospital. Ou seja, Martin passa o dia na escola e Anika a noite no hospital. Esse quadro ressecou a relação matrimonial. A insegurança conjugal foi injetada no lar e o casamento entrou em crise. Quantos brasileiros hoje não tentam equilibrar o trabalho com a vida familiar e acabam pesando mais pra um lado deixando a desejar o outro? No auge de uma forte pandemia biológica, no qual a relação trabalhista torna-se um pesadelo – hoje estou empregado, amanhã só Deus sabe – a situação econômica da casa acaba sugando todas as energias da pessoa enquanto que o cuidado e atenção à mulher, ao marido e aos filhos acaba ficando em segundo, terceiro, quarto planos. 

Que neste dia do trabalhador, levando em consideração o retrato atual de que o número de desemprego no Brasil bate recorde nos primeiros meses de 2021 atingindo a assustadora marca dos 13,4 milhões de pessoas (IBGE) e mais de 39,9 milhões de pessoas estão vivendo em situações de extrema pobreza segundo o Ministério da Cidadania, essa data sirva como um respirar para um recomeço. Que nosso país se sensibilize com o grito sufocante desses irmãos nossos que a cada dia acordam sem saber onde ir buscar sustento e o que pôr na mesa para os filhos. 

O longa é um dramédia casual, mas muito real. A vida de cada um de nós vive oscilando entre o drama dos problemas reais que precisamos enfrentar e o humor que a comédia consegue arrancar de nós boas risadas. Ademais, se uma política pública emergencial e eficaz não for realizada urgentemente em nosso país, muitos de nós poderemos acabar como Tommy, que ao sentir o que o álcool e o desempenho de seu emprego fizeram, decidiu entrar no mar e dali não mais sair...



Dione Afonso  |  Jornalismo PUC Minas


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