29 Mar
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No universo dos “furos jornalísticos”, um escândalo pessoal faz muito mais sucesso que uma notícia ou informação da comunidade. E, se o assunto for de foro íntimo então, o número de visualizações, leitores e likes aumentam 100 vezes mais. As pessoas, em geral, não estão interessadas em ouvir sobre a política, economia, desigualdade social, e nem sobre algo que afeta a estrutura social. Mas, sim, o que elas querem ler é sobre a vida alheia. E se essa estiver desmoronando, é melhor ainda. Uma fofoca sempre tem seu clube de leitores.

Paga-se tanto pela boa notícia quanto pelos paparazzi. Às vezes o escândalo sai mais caro ainda que a matéria séria de cunho social. E vende. Para espalhar um fuxico, uma fofoca, um segredo alheio paga-se caro e compra-se por mais caro ainda. A lista de compras desse supermercado é enigmática: escândalos rendem dinheiro, aguçam a mórbida curiosidade. Notícias do mercado de trabalho, da economia, da representatividade feminina e da luta pela igualdade não vendem. Pois, no fundo, ler sobre o sucesso do outro não nos aguça o desejo do conhecimento.

Esse tipo de mercadoria não precisa nem de ofertas e promoções. O preço que põe na bancada faz sucesso. Todos estão dispostos a pagar o preço que for preciso para descobrir as falcatruas que destroem a imagem do outro. Esse é o supermercado que nos importa. Utilidade Pública é o produto principal. E tem que valorizar, pois diz respeito a todos, desde quem noticia até quem ouve, lê, assiste.

A lista de compras nem precisa ser anotada num bloco, pesquisas por preços também é uma maratona que não fazemos. Num único click, o que vier à tela já é lucro e satisfaz o prazer por uma “boa compra”. Dá-se ainda, aquele “jeitinho brasileiro” de reaproveitar a mercadoria que passou do prazo de validade. Sempre causa alvoroços trazer uma notícia de anos atrás só para desenterrar o famoso “seu passado te condena”, ou o “eu sei o que você fez no verão passado”.

Enfim, a Era da Informação vive atualmente um boom de notícias, informações, produções, escritas, criações. Todo mundo tem algo a dizer e com os meios mais acessíveis não têm medido esforços para não o dizer. O importante é abrir a Rede Social e falar. E, dependendo do produto lançado, a demanda por “compradores” gera desfalque nos estoques. Aqui surge o problema: no mercado da informação e da comunicação social, as coisas não funcionam assim. Não se trata de plantar um pé de laranja e, ao perceber que a safra do fruto foi grande, coloca-as num saco e sai pra vender. Não! O universo comunicacional exige muito mais. Se vai divulgar, planeja-se. Se vai publicar, pesquisa, apura, checa as informações. Antes de postar, é feito planejamentos.

No supermercado da notícia, o estoque sempre está cheio. Nunca pode faltar produto. A seleção é minuciosa. Cada banca tem sua coleção de notícias, vídeos, fotos. E, o mais importante: o “furo jornalístico” é a informação em primeira mão. O que estava oculto e foi descoberto.

Quando lemos a história (fictícia ou não) do Lord Robin De Locksley, o Hood, a grande questão que a novela nos deixa é se ele é Lord ou ladrão. Ou, se, de Lord passa a roubar. Eis aí um produto enigmático! Como destrinchar essa história? Como verificar se esse produto é de qualidade para vender aos nossos clientes? Robin Hood era um jovem da alta magna sociedade. Rico, reconhecido pela governança imperial. Escolhido por seu Rei para lutar na Cruzada em nome de seu povo.

Contudo, Robin, ao retornar para sua casa encontra seu lugar totalmente destruído pelo regime opressor. Tudo foi devastado. Seu povo tornou-se escravo dos Regentes do Império obrigados a trabalharem para enriquecer os cofres até mesmo da Igreja. Mantendo firme o seu coração bom e devotado ao povo, Robin não aceita seguir essas regras e é declarado um fora da lei pelo governador. Não obstante, ele começa a lutar pela liberdade de seu povo e para que eles recuperem seus direitos de viver fora de uma tirania. Robin começa a invadir os cofres do palácio e a roubar toda a riqueza extraída da força escrava e a devolver para seu povo.

Nesse caso, um “furo jornalístico” consistiria em desmantelar todo o regime de opressão e tortura desse sistema governamental. Mais escandaloso ainda seria descobrir toda a quadrilha que estaria por trás apoiando tal regime de exploração trabalhista. Então, Lord ou ladrão? Seria uma boa manchete, não acham?

Hoje, vivemos uma era da desmantelação de sistemas como o SUS e o MEC. Vivemos uma era em que o regime governamental desconstrói políticas públicas para reconstruir uma despolítica. Ou seja, tira do povo para enriquecer os cofres do “império”. Será que ainda iremos conhecer um Hood disposto a destronar um líder que escraviza e mata? Ou continuaremos ir aos supermercados para abastecer nossas despensas com o comum da semana sem se questionar se o produto é original ou se é fake?  




Por Dione Afonso, jornalismo PUC-Minas

Foto: Farmácia antiga / Foto de  @Analogicus /  via Pixabay.

02/07/2020

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