29 Mar
29Mar

Se não atraímos pela qualidade, sigamos o caminho da curiosidade. Até porque uma coisa nada tem a ver com a outra, não é? Refiro-me ao título dessa breve divagação vocabular. As histórias infantis que hoje rondam o mundo recebem, nas suas mais variáveis escritas, versões fabulosas. Cada uma mais distante do original do que a outra. Lembramos que original não é o mesmo que real, mas, oficial. Ou seja, ser original não significa, de fato, que a história é real.

Todavia, contos de fadas, castelos, magia, princesas, bruxas, duendes, vilões, estão mais presentes nas versões Disney. Enquanto que a versão cruel, horripilante, medonha, estão escondidas nos livros. Os Irmãos Grimm são os primeiros responsáveis em reunir essas histórias que mais se assemelham a lendas urbanas do que contos infantis. Sem exceções, todas essas histórias que conhecemos terminam com uma morte cruel, proibida para menores.

Por que, então, que uma versão mais leve foi inventada e difundida no mundo todo? Não sei. Por quê que A Guerra dos Mundos de 1898 de H.G. Wells fez com que os ouvintes do rádio acreditassem piamente que o planeta havia sido invadido por extraterrestres? Isso se deu no dia de Halloween daquele ano. O locutor interrompeu a programação para anunciar algo assustador. E, com uma narração radiada espetacular, fez todos os ouvintes acreditarem no episódio fictício. Foi um show de efeitos sonoros como se o público ouvinte estivesse como que numa sala de cinema.

Algo semelhante acontece com os contos de fadas. Numa versão, (a pior de todas na minha opinião), Branca de Neve canta com os pássaros da floresta. E, em todas as versões que conhecemos, ela é acordada pelo beijo apaixonado de um Príncipe Encantado. Mas, se formos no original dos Irmãos Grimm, a história é bem mais séria e real do que isso. Branca não é acordada pelo beijo apaixonado. Ah! Se os lábios possuíssem o poder de acordar alguém que vive num coma cruel provocado por uma ação má, não é mesmo? Muitos estariam apaixonados hoje.

No entanto, os contos de fadas só funcionam nas telas, nas vozes, no rádio. Ao sair desse “mundo Disney”, nada mais faz sentido. Desde os anos da década de 30, histórias como essa começaram a ser dramatizadas no microfone. Vozes esplendorosas, efeitos e mais efeitos saíam dos mais variados estúdios de rádio afim de entreter os nossos ouvintes.

Assim nasceu as radionovelas. Em busca da felicidade foi a primeira a alçar voos e a conquistar o público. Uma radionovela igualmente nos estilos que conhecemos hoje pela TV tornando-se grande sucesso em 1941. Com uma mocinha, um rapaz bonito e apaixonado. Um vilão, uma família rica de um lado e um amor impossível do outro. Tudo o que uma novela romântica tem direito. Mas não víamos nada disso. Apenas ouvíamos. E o rádio conquistava, encantava o seu público ouvinte com as mais belas histórias de amor. Histórias de contos de fada. Encantar vem do latim: incantare = in, “sobre”; cantare, “cantar”: cantar sobre. Encantar.

Mas só tínhamos as vozes. Nada mais. Ao contrário do cinema, que só tinha as cenas, os atores e atrizes, mas sem voz. Era a era do Cinema Mudo. E quão grande espetáculo. Não obstante, assim como imaginamos como que seria Branca de Neve cantando com os pássaros, também imaginamos como eram os personagens das radionovelas só de ouvir o tom das vozes.

Voz tem a ver com alma, com identidade, com representatividade, tem a ver com paixão. É a voz que determina como que construiremos o personagem em nossa mente. Podemos pintá-lo do nosso jeito. Cada ouvinte com sua mais bela e eloquente imaginação.

Voltando à história dos Irmãos Grimm, ao contrário do que a versão Disney nos apresenta, toda história termina com uma morte horrível de se imaginar. Nessa quem morre é a madrasta através da cruel magia num par de sapatos que a obrigam a dançar quem neles pôr os pés. Branca de Neve obriga a madrasta a calçá-los, e, portanto, ela dança até morrer queimada.


Por Dione Afonso, Jornalismo PUC-Minas 

Foto: “Os anões e a lâmpada”. Foto de Willgard Krause / via Pixabay

02 de julho de 2020. 

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