29 Mar
29Mar

O lugar é movimentado. O frenético vai e vem de pessoas é constante. Barulho, sempre muito barulho. Cheiro de comida, jornais de um lado, livro do outro, tênis, chinelo, cachecóis, bonés de todos os estilos, alguns dos mais ousados que o mercado soube pensar. Cheiro de comida. Obras de reforma. Cafezinho saindo...

Em dois pontos estratégicos, ou nada estratégico, vejo um totem. Sim! Um totem. Não muito alto. Iluminado. É visto de longe, não pela altura, pois não passa de um tamanho mediano humano, mas pelas cores e pelo brilho da luz que ele carrega. Um totem. Ornado de elementos modernos. Luzes de led. Propagandas digitais. Um totem. Um totem moderno. Um totem ornado por neons branco-reluzentes.

Ao redor, um aglomerado de pessoas. Seus adoradores. Pessoas comuns. Com suas blusas amarradas na cintura. Camisetas bem folgadas e longas. Pessoas com rostos cansados. Uns, até esgotados. Fatigados. Exaustos. Mas estão lá ao redor do totem. De pé. Não importa o cansaço, a adoração deve ser realizada. Não importa o local, sempre é momento de adorar. Não importa com quem, aqui reina a fraternidade, já ouvimos casos até de sororidade.

Essas pessoas ignoram o cheiro de comida, o barulho das conversas alheias, o vai e vem de mochilas, malas, pessoas, o apito dos guardas, o sinal do autofalante e a voz feminina que fala as horas e faz comunicados em três idiomas diferentes. O Totem está ali. Bem ali. De pé. Ao seu redor tem até fila para que cada um faça a sua oferta. Mal sabem eles o que este Totem tira deles... Por conta da multidão não se torna possível que muitos se aproximem dele de uma só vez.

Antigamente as culturas que tinham seu totem sagrado entendiam que era um objeto que não podia ser tocado. Esse não. As pessoas se aproximam. Alguns até sentam encostando-se nele. Olhando assim, parece até uma ofensa com algo “sagrado”. Segundo a cultura antiga, um totem representa para um povo, coletividade, unidade e até a identidade daquele povo. Há casos que um totem define até mesmo o que é sagrado e o que é profano. Bom! O totem moderno parece seguir outra direção: Coletividade? Existe até disputa para ver quem se aproxima primeiro. Unidade? Quem conseguir sua oferta primeiro, vence! Identidade? Aí sim! Identidade! Hoje estamos depositando nossa oferta em totens que representam para nós necessidades pessoais, vícios, ambições e insegurança. Eu disse, outra direção? Ou é exatamente essa a direção que seguimos hoje?

Esse totem moderno carrega os valores do capitalismo, do mercado, do consumismo. Você nunca parou para perguntar que oferta você deposita nele? Há uma política de troca: ali você vai aos poucos perdendo sua vida social, seus amigos, sua família, filhos, casamento, trabalho, convivência. Em troca, você tem o seu bem mais precioso: seu celular. Seu celular com bateria 100% carregada, pronto pra viagem. Pronto pra não ficar desconectado dentro dos ônibus pela rodovia a fora. É preciso sim, agarrarmo-nos em algo que represente valores como coletividade, unidade, fraternidade, amizade, e que também contribua para a formação de nossa identidade.

É preciso ver bem o que representa nossos totens de hoje em dia. As vezes as luzes, o led, a propaganda digital são artimanhas que nos fascinam, nos fazem esquecer do que realmente importa em nossa vida. Nos aeroportos, os totens ficam até mesmo do lado da cadeira de espera. Basta que eu pegue o cabo carregador e me conecte ali. Agora a adoração é feita até sentado confortavelmente. Celular carregado, mas vida descarregada, sem energias, sem amigos, sem encontros... qual tem sido o seu Totem?




Por Dione Afonso, jornalismo PUC-Minas

Foto: Internet – Google imagens / Divulgação

14/03/2020 

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