29 Mar
29Mar

A paulista Tarsila do Amaral foi um dos mais célebres nomes responsáveis por marcar a literatura modernista da primeira fase no Brasil. Amante das vanguardas, conheceu a irreverente Anita Malfatti. Tal fato a fez se destacar em sua carreira de pintora. O quadro Operários foi idealizado por Tarsila em 1933. Na obra a pintora denuncia o sistema trabalhista marcado pelo processo industrial. A pintura destaca a diversidade étnica de todo o Brasil que chega a São Paulo em busca de emprego nas fábricas.

Recentemente a obra de Tarsila recebeu uma intervenção artística. No início desta semana a obra apareceu nas Redes Sociais com os operários usando máscaras de proteção. Tal intervenção serviu para conscientizar o povo brasileiro da necessidade de se proteger contra o vírus letal que assola todo o mundo. A COVID-19, que surgiu na China em dezembro de 2019, alastrou-se em todo o mundo matando milhares de pessoas.

A obra não foi a única a receber uma intervenção. Várias estátuas das cidades do mundo amanheceram com máscaras no rosto. O próprio Cristo Redentor do Rio de Janeiro tem também feito a sua manifestação artística em prol, sobretudo, dos profissionais, que se encontram na linha de frente em vista de combater a proliferação do vírus.

A ordem “Fique em casa” tornou-se lei obrigatória. No entanto, parece-nos que nós temos uma certa aversão a cumprir regras, seguir ordens, mesmo que estejam a favor do bem comum e do lado da proteção e da vida de outros. Protejam as estátuas! Elas, parecem que seguem as normas, resta saber se os humanos as seguirão. Até mesmo o cavaleiro errante de Miguel de Cervantes aderiu ao movimento. Tanto ele quanto seu cavalo apareceram mascarados nas várias manifestações artísticas espalhadas pelas cidades.

O mundo pôde conhecer em 1605 o engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha. Suas aventuras mirabolantes, sem rumo e sem sentido percorreram todo o planeta fazendo da literatura quixotesca um clássico universal. O personagem é um nobre espanhol de seus 50 anos que parte pelo mundo em busca de justiça, heroísmo e da bem-amada donzela. A obra é regada de bom humor no estilo dos romances de cavalaria.

Voltemos à obra dos trabalhadores. Ir ao supermercado tem se tornado uma aventura olímpica. Há filas onde não deveriam ter. Senhas e restrições de entrada que jamais sonhamos em receber. Ao entrar, ninguém vê ninguém. Cada um se isola em seu corredor de compras preferido. No carrinho há o essencial. O engraçado é que esse essencial deveria ocupar o nosso carrinho sempre, nos 365 dias do ano, com ou sem pandemia. Parece-nos que uma intervenção artística urbana foi necessária para que o homem diminuísse o seu consumo. Gastasse apenas com o que é essencial.

Enquanto, por aí, vemos manifestações de pessoas que dizem estar em oração por sair de pandemia melhor que entraram. Certo! É até esperançoso reconhecer que os homens ainda reconhecem a fé que possuem. Esperamos que essa fé os movimente, realmente para uma mudança de vida, que, lógico, não precisaria de uma pandemia para alertá-los. Mas, já que ela está aí, comecemos pelo nosso consumo desenfreado: gastar com o essencial, e, se eu tenho de sobra, que eu doe a quem falta.

Operários ainda nos alerta para a grande urgência da roda comercial: a indústria não pode parar. Dinheiro parado é prejuízo para o país, sobretudo para um país que decidiu que poderíamos sacrificar nossos idosos para salvar a economia. Escolher o banco financeiro mundial ao invés de estar do lado da vida frágil. Soubemos, com maestria, identificar quem está no chamado grupo de risco frente à pandemia. Não soubemos, no entanto, identificar na mesma velocidade, as ações de proteção e salvaguarda a eles.

Enquanto isso, vivemos na irrealidade de que moinhos de vento são gigantes da destruição e um rebanho de ovelhas são homens e mulheres sem o amparo capitalista. Parece-nos que as fake news nos transportam para um mundo irreal que afirmam que o que estamos vivendo não passa de uma invenção louca de um grupo ciumento que não suporta conviver com a expansão do inimigo. E, assim, como Dom Quixote, continuaremos salvando o mercado dos gigantes da destruição. Afinal, o coronavírus não passa de uma invenção tática para que um grupo político se sobressaia, não é mesmo? Está na hora de que os Sancho Panza’s saiam de seus túmulos da incoerência e da falta de fraternidade e comecem a despertar em nossos vizinhos que a realidade que vivemos não é fruto de uma invenção comunista do comando político.

Intervenções urbanas artísticas são os gritos sociais daqueles que veem na arte a expressão de suas almas. Desastres existem, sejam eles biológicos, ambientais ou sociais, mas existem. E estamos vivendo diante de um massacre. Muitos dos nossos estão morrendo, perdendo a luta pela vida, e, tenho certeza que, muitos acreditaram, cegamente, que estavam lutando contra grandes moinhos de vento, achando que eram invenção de um líder que diz governar o país. Resultado: os moinhos de vento parecem estar vencendo a guerra!




Por Dione Afonso, jornalismo PUC-Minas

Foto: Intervenção na obra “Operários” (1933) de Tarsila do Amaral / @trunabonial / via @GamaRevista.

21/05/2020

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