29 Mar
29Mar

Jihad Al-Suwaiti, 30 anos, palestino. O mundo viu nessa semana o gesto que esse jovem fez assim que sua mãe, Rasmi Suwaiti, 73 anos foi diagnosticada com covid-19. Cinco dias após sua hospitalização, a mulher não resisitiu e foi vencida pelo coronavírus. Seu filho Jihad, desolado e sem saber o que fazer, todos os dias escalava as paredes do hospital para ver sua mãe, pelo menos da janela. Todas as noites a única companhia de Rasmi era seu filho, ao longe, do lado de fora da janela.

Nessa semana o Brasil ultrapassou os 80.000 mortos pela covid-19. Muitos parentes perderam seus familiares por conta da pandemia do coronavírus. Gestos como o de Jihad devem nos doer por dentro e nos fortalecer por fora. É esse o movimento. Não de pena e dor, mas de força e transformação. São poucos fatos como esses que ganham a mídia e vira notícia mundial. Os repórteres e jornalistas estão a cada dia mais preocupados em registrar a dor e a perda das pessoas. Explorar o máximo a miséria humana porque isso rende views.

“Enquanto ela não dormia, eu não saía do parapeito da janela”, afirmava Jihad. Ele usava tubulação de esgotos para escalar a parede. Impedido de ver sua mãe, a janela era a única visão que ele tinha dela. Jihad e o irmão já haviam perdido o pai há 16 anos, e agora a mãe. Segundo relatos do irmão, Jihad era muito apegado à mãe e nunca havia pensado em viver sem ela.

Essa história entra para o nosso capítulo das “urbanidades” dessa semana. Falar da vida exerce em nós uma certa alteridade. A vida precisa se tornar notícia, sobretudo quando ela é acometida por um mal fatal como esse. Mas o que fica, o que permanece é digno de história e homenagens. A história de Jihad está se repetindo a cada dia, 100, 200, 500, 1000 vezes por dia. Hoje ela se repete mais de 80 mil vezes. A cada hospital, a cada Centro Intensivo de cuidados médicos alguém se espreita numa janela e assiste o sono eterno de alguém.

“Não descansou enquanto ela não adormeceu”. Não podemos cruzar os braços esperando que todos adormeçam. Não. O gesto de Jihad não pode continuar se repetindo a cada dia. Isso é desumano. O gesto dele é nobre, é lindo, é fraterno, mas também é doído, é sofrido, é desumano. E isso deve nos tocar e nos ajudar a mudar nossa posição, nosso pensamento. Será que é válido mesmo continuar lutando para que meu bar, meu supermercado, minha loja de roupas, o comércio da minha rua volte a funcionar? Será que realmente é válido defender a economia, minhas contas de luz atrasadas, meu corte de água, meus boletos do mês? Ou eu devo lutar para que minha comunidade se conscientize em salvaguardar a vida e proteger o próximo?

O sistema político atual não está a nosso favor. Quanto mais Jihad’s continuar escalando paredes de hospitais pelo país, melhor. Porque isso vira notícia. Porque isso é coisa de herói. Heroísmo melhor é quando uma política pública é desenvolvida e praticada em prol da vida de todos nós. Em defesa da vida de quem está mais frágil nessa guerra biológica. Enquanto a ciência luta em busca de uma cura, presidentes lutam pelo registro da salvação porque isso vai gerar lucro para o cofre do Estado. Não importando quantas Rasmi’s morram e nem quantos Jihad’s escalem paredes.

O número do desemprego no país é alto e cresce a cada dia. Isso não é culpa da pandemia. Consequência dela? Talvez. Mas essa avalanche vem descendo já há muitos anos, e porque não dizer, décadas. Desde a Revolução Industrial quando a máquina substituiu o homem e o homem tornou-se máquina. Máquina que produz, fabrica, entra na roda da atividade consumista e produtiva. Isso gestou a cultura do descarte: se não produz mais, não serve mais. A pandemia só reafirmou a cultura do descarte em que estamos imersos. E que agia por debaixo dos panos, agora ela está à vista de todos. Uns enxergam e continuam seu caminho, outros, fingem não ver e voltam para trás, enquanto a maioria populacional vive a doentia e desumana cultura da pobreza em que o país os lançou.

Portanto, muitos continuarão escalando paredes com a tentativa de dar o seu último adeus a quem amou por toda a vida.  



Por Dione Afonso, jornalismo PUC-Minas

Foto: Jornal “Mirror” fez charge para Jihad Al-Suwaiti / Reprodução: mirror.co.uk.

23/07/2020

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