29 Mar
29Mar

Contenção: con.ten.ção. sub. fem. 1. Desforço físico, briga, luta; 2. Desentendimento verbal ou da ordem das ideias, altercação, debate, disputa. 3. Controle; 4. Estado daquilo que não se movimenta; 5. Ação ou efeito de conter, controlar, reprimir. Contenção, bastante divergente de contensão. A segunda pode ser alimentada pela primeira. Mas contenção pode gerar contensão. Aqui, o adjetivo feminino recebe um substantivo. Este é qualificado por aquele. Agora, basta sinalizar tal qualificação verbal ortográfica.

Faixas de contenção aqui, para nós, referem-se aos sinais de obra. De mudança. Um obstáculo no meio do caminho que nos obriga a parar e alterar a rota ou, simplesmente desobstruir a passagem. Nisso, entramos no campo etimológico da opção 4 do dicionário. Contenção é o “estado daquilo que não se movimenta. Mas, também entramos na opção 5. Queremos a ação da contenção: controlar, conter-nos de movimentarmo-nos onde há perigo, onde há obras, reformas.

A humanidade está em reformas, toda ela está agasalhada por essas faixas de contenção. Quem olha de fora imagina que as faixas estão salvaguardando uma cena criminal. Ou de um ato sigiloso e que merece proteção. Estamos em contenção. E vivendo sob muita contensão. Acima de nós uma sombra viral nos amedronta (ou, pelo menos, deveria) e marca nossas peles com as feridas, chagas. Do norte uma tempestade de poeira inebria nossa visão, atrapalha voos e impede navegações no oceano. Do sul, sobem, rapidamente os gafanhotos. Devastam toda a plantação em questão de minutos. Contenção!

Também é sinal se perigo, “não ultrapasse”, atenção, cuidado ou de aviso. O obstáculo, nesse caso, é mais perigoso, até letal. Por outro lado, as faixas despertam outro sentido nessa situação. O da curiosidade. Ao invés de se afastar, a tola curiosidade nos induz a chegar cada vez mais perto. Quer nos testar. Ou, queremos nos autotestar. Mostrar pra si mesmo que é corajoso, que é capaz de viver perigosamente, de encarar o arriscado e sobreviver. Um vírus já não nos assusta mais. Somos imortais e, vivendo perigosamente, queremos mostrar que nós, os humanos, somos invencíveis. A poeira e os gafanhotos são encarados como sinais apocalípticos e que o fim dos tempos está próximo!

Nossa! Quanta adrenalina, não é mesmo?

Fim dos tempos, não sei. Mas temo o fim da humanidade. Temo que o sentimento de fraternura, de carne, de humano já tenha chegado ao fim. Não usamos mais as máscaras (faixas de contenção). Não nos resguardamos mais em nossas casas (faixas de contenção). Voltamos ao comércio, ao mercado, voltamos a fazer comprar e conversar na rua (faixas de contensão). Voltamos a abraçar, beijar, namorar (faixas de contensão).

E quando as faixas de contenção nos separam de uma cena cheia de provas capazes de eliminar suspeitos e revelar o agressor? A curiosidade permanece. Mas quando há uma morte, as ações preventivas são mais acirradas. É o velho ditado, “só nos cuidamos quando morre alguém”. Ou, pior, “só aprendemos a nos prevenir, quando o mal atinge um do próprio sangue”. E humanidade nada tem a ver com sangue. Conter-se nada tem a ver com não morrer. Mas, sim, com oportunidade de viver mais um dia.

Contenção é outro nome para lockdown. Aqui, eles são sinônimos, pois tem o mesmo objetivo. Salvar-se e salvar os outros. Medidas de contenção só fazem sentido quando se percebe que quem as toma, entende que as segue para a proteção e o serviço altruísta. Alteridade tem a ver com envolver o outro, com sua vida, sua memória, sua história e sua contensão. Contensão é outro nome para aglomeração. É o que não pode acontecer. Mas ela exige que se aconteça quando aglomerar me excita mais que me conter. O perigo é excitante, provocante, alucinante. É como droga viciante. E, enquanto isso, entregues a esse vício mortal, vamos vivendo com tensões ignorando as contenções.

E assim, continuamos a ignorar as faixas de contenção.  



Por Dione Afonso, jornalismo PUC-Minas

Foto: / Foto de  Gerd Altmann/  via Pixabay.

25/06/2020

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