29 Mar
29Mar

O segundo semestre do não 2000 nos presenteou com a bela poesia “Dias melhores”. Uma canção que grudou em nossa memória e que, afirma, com todos os seus versos os mais profundos desejos de nossas vidas. Olhando pela janela do quarto numa manhã gelada de maio, 20 anos depois, essa canção resolveu assumir o controle dos meus desejos. Vivemos dia após dia, a cada amanhecer do sol esperando, nada menos que um outro dia melhor que esse.

Rogério Oliveira é um mineiro natural de Alfenas, sul do estado. Nascido a 25 de abril de 1972. Em 1993, na cidade de Nova Serrana, próximo à capital mineira, Rogério conheceu a banda J. Quest, no qual tornou-se, a convite, vocalista. Hoje, Rogério Flausino, como é conhecido, é dono de uma discografia de respeito. Mineiro de alma e coração, faz da vida uma canção que grita na alma da gente. Dias melhores, dias sem dor, dias com amor, dias de paz...

É curioso olhar pela janela e deslumbrar os primeiros raios do sol e imaginar o quanto melhor seria se estivéssemos desfrutando desse primeiro calor do dia. Isso nos faz questionar: por que será que não estamos aproveitando esse hoje que nos é dado? Ou será que ainda vamos esperar por um “dia melhor” em que o sol estará mais agradável e eu estarei mais disposto? Flausino transmite uma mensagem que vai além do esperar. Na verdade, ele não alimenta o ócio e a preguiça de sentar e ficar na janela esperando o dia melhor. Ele nos alerta que esse dia melhor que esperamos depende, de ninguém mais, que não seja eu mesmo.

Dias melhores dependem unicamente de mim. O dia estará melhor se eu estiver melhor. Mais disposto, mais alegre, mais sorridente, mais determinado, mais, mais, mais... Dias melhores em que nós possamos caminhar livremente nas ruas e abraçar nossos amigos. Dias melhores em que possamos cumprimentar na calçada aqueles que cruzam nosso caminho, sem receios de sofrer alguma violência. Dias melhores em que a paz a começar por mim, atinja o outro, e mais um, e mais um, até que a humanidade seja mais pacificadora. Dias melhores.... melhores em tudo!

Você já deve ter visto por aí, aquelas “bonecas namoradeiras” que “enfeitam” as janelas das casas. Parece ser outra arte mineira que veio para enriquecer a cultura das Gerais. É curioso olhar para essas esculturas. Elas sempre têm um braço na horizontal e outro apoiando o rosto. Sempre estão ocupando as soleiras das janelas ou ornando as sacadas das varandas. Parecem olhar o infinito, contemplar o horizonte, vendo o tempo passar. Seu olhar é daquele que está à espera daquele príncipe encantado que nunca chegará. O seu dia melhor...

O “esperar dias melhores” da canção de Flausino não faz jus ao esperar das namoradeiras das janelas. Não há meio termo. O esperar dias melhores é cantado como um grito de manifestação. Gritar ao mundo que do jeito que está não dá mais. Do jeito que é hoje é insuportável de viver. Queremos dias melhores em que ninguém mais morra de fome. Dias melhores em que o preconceito não mate mais ninguém. Dias melhores em que as formas de amar sejam manifestadas com liberdade. Dias melhores em que homens e mulheres sejam tratados como iguais. Dias melhores em que a Educação e a Saúde Públicas voltem a ser prioridade. Dias melhores.

Ao contrário disso as namoradeiras de plantão esperam por dias melhores. Dias melhores em que no meu melhor vestido colorido, meu corpo seja valorizado. Dias melhores em que o que eu tenha de melhor para oferecer seja um decote chamativo para aguçar os desejos e tesões alheios. Dias melhores em que eu irei ficar esperando que alguém apareça em minha janela e faça todas as minhas vontades. Melhores em tudo...

São dois caminhos diferentes. Além disso tudo, a imagem das namoradeiras de plantão ainda é preconceituosa: a maioria que é fabricada é negra e mulher. Como se elas fossem objetos de desejos sempre à espera daquele que irá satisfazer suas vontades. Negras também para reforçar um passado em que a elas só cabia admirar da soleira da janela o mundo bonito lá de fora, pois era o máximo que tinham acesso no tempo em que eram empregadas de grandes senhores.

Vivemos esperando dias melhores. Qual é a qualidade de sua espera? É como as namoradeiras ou como as manifestações? Somos mais um enfeite de janela ou alguém que busca pelo dia melhor para todos? Hoje os dias são dominados pela onda dos food, drive thru, apps que facilitam a nossa estadia nas janelas à espera daquilo que irá saciar nossas vontades. Querendo ou não, ainda temos em nós aquele ato de namoradeiras que ficam nas janelas à espera de nossas encomendas que são como príncipes encantados que irão nos proporcionar a felicidade desejosa. É o nosso dia melhor. Não é melhor em tudo, mas é melhor numa fração de minutos.

A onda dos foods e dos drive thru, nos classificam nessa segunda opção e nos fazem esquecer da real mensagem daquilo que há 20 anos cantamos. Somos melhores sim. Mais inteligentes, mais criativos, mais donos de si, mas nem em tudo e nem para todos. Somos melhores para nós mesmos, esquecendo de todo o resto. E assim, continuaremos seguindo em frente desejando um dia melhor sem nunca perceber que morreremos como namoradeiras nas janelas à espera passiva de um nascer do sol que ofereça o mais ardente calor do dia.




Por Dione Afonso, jornalismo PUC-Minas

Foto: Boneca “namoradeira” de janela / Foto de Eunice de Faria / via Pixabay.

28/05/2020

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