29 Mar
29Mar

Houve um tempo, e não muito distante, algo ainda deste século confuso, de que as lojas de 1,99 faziam um tremendo sucesso. Brasileiro não podia ver uma oferta, que já corria para aproveitar. A famosa síndrome da 25 de março agora se espalhava em todas as cidades do país. “Qualquer produto aqui custa só R$ 1,99”. Essa era a sensação do momento. Como que a gente se sentia realizado quando entrava numa lojinha dessas e com uma cédula de R$10,00 saíamos da loja com uma sacola cheia de itens para a nossa casa.

Não demorou muito e em menos de um ano as notas verdes elogiando os belos beija-flores saíram de circulação. Desapareceram e deram lugar às moedas requintadas com o centro prata, bordadas com a cor de ouro. Mas ninguém se preocupou com a moeda. Ela era estilosa e virou até kit de colecionador na época da Copa do Mundo em 2014. No verso delas vinham cartões postais do país. Encontrar todas era um prêmio. Logo em seguida a sensação foi da cédula de R$2,00. Trazendo a figura da tartaruga marinha.

Pouco mais de um ano, as cédulas de R$ 20,00 nasceram. Elas trouxeram estampadas o singelo mico-leão dourado. Homenagem? A quem? Ao homem que colocou o pobre macaquinho em extinção? Agora, pergunto: porque sacrificar esse bichinho? A quê que ele é útil? No entanto, isso não foi o suficiente. Em pleno 2020, no centro de uma pandemia viral, o Banco Central anuncia mais um feito. Uma nova cédula está para ser impressa pelas máquinas de lavagem financeira. É anunciada a nota de R$ 200,00. Coitado dos 70% de brasileiros que passam o ano todo para tentar manter na carteira uma cédula dos cardumes de peixes, azul em vista do décimo terceiro. Agora são humilhados com a nota de “duzentos conto”.

Final de agosto e o novo valor comercial começou a circular. Uns poucos selecionados foram premiados em tê-la na carteira nas primeiras semanas. Teve alguns que, em forma de prêmio, fizeram stories no Instagram e tudo para anunciarem o feito. Mal sabem que tal tesouro não se manterá por muito tempo em seu poder. Dinheiro na vida do homem é passageiro e aquele que o mantém como personagem fixo das aventuras perece em solidão e arrogância.

Pouco atraente, cores sem estilo e de mal gosto, a nova nota causou irritação na população. Não melhorou nossa vida, não salvou a economia, não nos curou da pandemia. Apenas nos apresentou uma cor que pouco se ouve falar: sépia. Nas mesmas proporções da tartaruga marinha, o lobo-guará sentiu-se desprezado com uma representação tão seca e sem glamour. Coitado do bichinho.

Com a crescente destruição da Amazônia e do Pantanal por conta do alto índice de queimadas, haja novas cores e novos valores para as novas cédulas que virão. Muitos irmãos nossos da fauna brasileira estão ameaçados em não existir mais. Desaparecerem pra sempre do nosso mapa. Aves e animais rastejantes tentam se salvar, uns sacudindo suas asas em meio ao céu cinza e negro, mas são sufocadas pela fumaça, outros tentam correr para os rios a fim de escapar do fogo, mas são assados pelo vapor de 50°C. Enquanto isso, vamos aumentando a nossa lista de fantoches e avatares para as próximas cédulas. Afinal, precisamos movimentar nossa economia.

As lojas de 1,99 deixaram de ser sensação. Agora tudo é R$10,00. Qualquer item por 10 reais. E, continuamos felizes por entrar nas lojas de utensílios domésticos e de usos triviais do dia a dia com uma nota de 50 reais e saímos realizados acreditando ter feito muito por tão pouco. Sem percebermos que acabamos de pagar 10 reais num item que há alguns anos pagamos 1,99 pelo mesmo produto. Será que estou sendo enganado?
  



Por Dione Afonso, jornalismo PUC-Minas

Foto: Via Twitter.

06/08/2020

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