Morango sempre foi um fruto caro. Além de ser exótico, não era toda família que tinha a alegria de coloca-lo no carrinho de compras. E aquele tempo em que morangos conquistavam corações e embalavam histórias de amor? Nossa! Ganhar um morango de quem a gente ama era uma poesia declamada. A maioria da população nem imagina como que é a produção. É uma plantazinha rasteira e melindrosa, cheia dos “não-me-toques”. Não pode encostar no chão, não suporta chuva, não aguenta o sol. Eita! Tinha que ser cara mesmo. E que prova de amor num era investir seu dinheiro numa caixinha singela de morangos...
Coisa bem avessa são as bananas. Ai se alguém me desse banana. “Banana pra você” era sinal de zombaria, chacota, enjoança e zoeiras. Era símbolo de gente chata e insuportável. Bananeiras são árvores do entendimento de todos nós. A banana é popular, de cor viva, aguenta grandes caídas e não é fácil deixa-la com marcas na casca. Inclusive, quanto mais a casca está frágil, mais madura e saborosa ela estará. No entanto, o preço de uma penca da banana também está pela hora da morte. Mesmo estando três vezes menos que o morango, não é todo mundo que tem condições de levar algumas bananas para casa junto da compra.
É assustador o rumo que a economia e a produção dos mantimentos estão tomando. De fato, esse “novo tempo” pandêmico está nos desafiando e desafiando ainda mais os economistas do país. Quem é pobre não está ficando mais pobre, está morrendo de fome. Quem é rico, está sobrevivendo com o dinheiro estocado em suas contas bancárias. Hoje a cena que presenciei foi de cortar o coração e rasgar com espada forjada num vulcão a minha alma.
Uma jovem alegre, de bem com a vida, estava saindo da feira saboreando uma daquelas caixinhas de morango. Eu me assustei, é claro. O valor estava exorbitante, e nem é uma fruta tão gostosa assim. Mas, eu não tinha nada a ver com isso. Quem gosta, que lute para satisfazer seus desejos, não é mesmo? Mas, vindo de encontro à jovem e uma senhora que era sua mãe, veio um rapaz pedindo que dividisse com ele o que ela estava comendo. Jamais! Um morango, no valor que estava, não podia ser desperdiçado com um morto de fome. Ela jamais faria isso. E deixar de saciar seu desejo? Não! Acho que não! Não mesmo!
Mas aquele senhor nunca soube o que era comer um morango. Ele nem faz ideia do sabor que aquela frutinha mesquinha e sem graça tinha. Ele entendia de bananas. E tudo o que queria era apenas uma banana para saciar seu desejo de comer. Mas, a moça estava tão inebriada com o sabor de seus morangos que não percebeu que o rapaz estava de olho na banca de bananas. Ela agarrou a mãe pelo braço e saiu em disparada para o estacionamento.
A penca de banana que estava em meu carrinho decidi entregar a ele. Ele tirou uma banana da penca e me devolveu o resto. E disse: “meu amigo, não se preocupe. Eu só quero saciar a minha fome. Não preciso de mais do que isso. A banana é rica em vitaminas e eu sou feliz demais por isso. Quão doces lembranças elas me trazem: lembro dos dias em que eu cultivava bananeiras. O bananal era o lugar mais bonito que eu tinha. Mas as enchentes de janeiro destruíram tudo. As bananeiras são fortes, mas não tanto. Foram arrancadas no bulbo touceira por touceira. Aquela roça era tudo o que eu tinha meu amigo. Hoje, o que eu tenho é apenas meu cachorro que consegui salvar e o banco da praça. Mas um dia, eu quero voltar a plantar bananas. Pois eu nunca vi uma árvore tão forte como uma bananeira e eu quero voltar a ser forte como ela”.
Nesse momento eu quis esboçar um sorriso pois lembrei que na minha infância eu e meus primos brincávamos de “plantar bananeira”. Era uma brincadeira que consistia jogar os pés pro alto e tentar ficar de pé equilibrando-nos só nas palmas das mãos...
Já segurando as lágrimas eu disse a ele que conhece-lo foi o maior presente que eu pude receber naquela semana. E aquele dia eu entendi que entre morangos e bananas, as bananas são mais bonitas, mais saborosas, mais fortes e resistentes. Que entre morangos e bananas, eu conheci alguém que é capaz de trocar toda uma estufa de morangos por uma única banana. Que entre morangos e bananas, mesmo que eu tenha dinheiro suficiente para comprar uma caixa de morango, eu vou escolher a banana porque ela me saciará mais. Que entre morangos e bananas, o morango sempre se satisfaz sozinho, mas a banana, ela sempre vai querer algo mais, um complemento. Porque ela é parceira, sabe que dá conta sozinha, mas quis contar com a cor e o sabor de outro ingrediente.
Esse rapaz foi a melhor pauta jornalística que pude receber em minha vida.
Por Dione Afonso, jornalismo PUC-Minas
Foto: Foto de Globo Estúdio.
20/08/2020