03 Feb
03Feb

Quem nunca, quando, ao tentar chamar a atenção de alguém que pratica ações más ou indesejadas, fala: “você é o que você planta”? Ou, quando quer dar lição sobre boa saúde, alimentação saudável, diz: “você é o que você come”? Mas hoje, uma outra expressão nesta mesma linha tornou-se retumbante em meus pensamentos, e que provavelmente, ainda não tínhamos parado pra pensar nela: “você é o que você canta”! Mas, como assim? 

Na verdade, a arte que realizamos tem muito a falar sobre o artista. Há aqueles que preferem tons (seja musicais ou de tinta) mais claros, mais alegres, ou mais sombrios, mais escuros... Conheço pouco da filmografia de Cate Blanchett, mas sei que ela coleciona 2 óscars por atuação. Um em 2005 por Melhor Atriz Coadjuvante e um em 2008 por Melhor Atriz. Mas foi por conta da atuação de Blanchett que decidi me aventurar em assistir às 2 horas e 40 minutos do filme “Tár”. 

Com 6 indicações ao Oscar deste ano (2023), “Tár” tem direção e roteiro de Todd Field. Blanchett interpreta a maestro Lydia Tár que está no auge de sua carreira, mas que se envolve em escândalos, fornece declarações ambíguas e que divide seu público. Além de ser uma maestro mulher, Lydia Tár é LGBT... enfim... é um filme de poucos, para poucos e que está do lado de poucos. 

“Você é o que você canta!”, volta o provérbio popular (ou nem tão popular assim) em meus pensamentos, novamente. E o que Tár canta (ou rege) é assustador. Enigmático. Ambíguo. Desolador. Solitário. Depressivo. A elite do universo da música é muito bem delineada e separa, curta e grossa, quem é e quem não é bons apreciadores de uma boa música clássica. “Tár” deveria nos aproximar mais desse fabuloso universo, mas Field e seu roteiro, mais do que nos distanciar, nos faz ter medo e nenhum apreço. 

“A música pode ser um grande templo adornado com suas mais belas cores e mobílias ou pode ser um galpão vazio, sem cor e sem vida”. Essa expressão nos arrebata nos primeiros minutos de filme. A atriz nunca deixa de entregar o que ela tem de melhor. É uma forte concorrente na disputa pelo seu terceiro óscar. O filme não é raso, mas, entendido de música ou não, sobretudo a música clássica, o roteiro de Field não aprofunda o universo da música e ainda faz dela um personagem frio, cruel, gelado, rancoroso e triste. E a música não é assim, ou, pelo menos, não é só isso. 

É preciso olhar para Tár, a personagem, da mesma forma que olhamos para a música enquanto personagem principal desta história. O filósofo alemão Arthur Schopenhauer disse que a música manifesta a “essência do mundo” ou é expressão da “Vontade deste mundo”. Portanto, quando vemos Lydia Tár sendo aquela artista perversa, rica e egoísta, perdida e elitista, odiosa e má, a sua música também não é outra coisa senão expressão destes mesmos sentimentos. Por isso a paleta de cores do filme tão restrita ao cinza, preto e azul fosco. Cores frias para mostrar a frieza da artista com sua música fria e sem vida. 

Se você é o que você canta, pinta ou borda, que sua arte expresse o que você tem de melhor. Que suas ações revelem o melhor que tem. Não é porque as pessoas ou o mundo esperam o nosso melhor, mas é porque, dando do nosso melhor, estaremos mais vivos do que ontem, e mais esperançosos a cada manhã. “Você é o que você, simplesmente, é!”.





Por Dione Afonso | Jornalista

03.fevereiro.2023

Foto: Pexels via Pixabay. 

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