09 Feb
09Feb

Há pouco pude conferir o sucesso de terror “Megan”. Um filme sobre uma boneca que assume um espírito assassino por conta de uma superproteção com para com sua dona. Gostei da proposta do roteiro. Diferente das outras bonecas de terror que conhecemos, como Annabelle e Chucky, Megan não é uma boneca possuída, o mal dentro dela é resultado de invasão de privacidade tecnológica. Um terror que mistura ficção-científica e horror quase que slasher. O que me interessou em dar play no filme foi saber que a história foi co-criada pelo James Wan, expert no gênero cinematográfico. O filme tem a direção de Gerard Johnstone e roteiro assinado por Akela Cooper Wan. 

Não estou aqui para contar pra vocês a história do filme. Há, nas quase duas horas de cinema, uma cena muito curiosa que me transportou para outra reflexão, mais humana e real. Mais do nosso dia a dia. A cientista Gemma, solteira, teve sua rotina alterada quando sua irmã e cunhado sofreram um acidente de carro. Ambos morreram e deixaram a pequena Cady sob a tutela da tia, Gemma. Quando Cady chega na casa da tia e começa a tirar os brinquedos da estante, Gemma tira de sua mão dizendo que não eram brinquedos para brincar, mas eram colecionáveis.  

Os brinquedos, ainda nas embalagens eram apenas enfeites da estante. Talvez objetos de orgulho, exibidos como troféus representando o sucesso e as conquistas de Gemma. Algo mais para alimentar e satisfazer o próprio ego. Algo também, que todos nós fazemos. Quantos de nós não temos algo raro e colecionável em nossa casa? Que, exibidos na estante, ou guardados na gaveta, toda vez que olhamos, sentimos orgulho pelo o que conquistamos, o que somos, o que nos tornamos? Eu mesmo, amante da literatura, tenho meus colecionáveis, em papel, capa dura ou não, expostos nas estantes. Mas, o diferente é que eles cumprem com o papel no qual foram feitos. Livros foram feitos para serem lidos. São raros e colecionáveis. Mas podem ser usados, folheados e devolvidos às estantes. 

Não sei muito qual é o espírito das pessoas que colecionam coisas. Que rodam o mundo ou vasculham a internet atrás de itens raros. Só sei que sentimentos são raros, mas não são colecionáveis. Que pessoas podem ser raras, mas não são colecionáveis. Que afetos podem ser raros, mas se fossem colecionáveis eles não estariam em falta. Quem coleciona pessoas corre o risco de querer exercer poder sobre elas. Achar que controla elas, assim como controla as coisas que coleciona em suas estantes. 

Quando colecionamos pessoas, a sufocamos, impedimos que elas cumpram com o papel na qual foram designadas a fazer. Alguns (quero crer que todos) foram designados a serem felizes, a sonhar e concretizar, e não a serem expostos nas estantes de nossas amizades privadas e particulares sem poderem cumprir com o papel que a humanidade as designou cumprir. Nossos amigos são pessoas raras, porque são capazes de exercer o papel da amizade e do amor para conosco. Nossos amigos não são colecionáveis, porque eles não são propriedade privada nossa. Podemos até tentar, mas não são comprados em lojas. Com eles, nos esbarramos nas calçadas, nas praças, nas lanchonetes, até nos cinemas, porque estão cumprindo, cada um seu papel no mundo. E nós também!






Por Dione Afonso | Jornalista

09.fevereiro.2023

Foto: Gerhard via Pixabay.

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