22 Feb
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É uma sensação boa quando vemos a classe alta, os ricos, tornando-se piadas e motivos de chacotas em premiadas séries de TV e em longas-metragens reconhecidos pela Academia do Oscar. É genial. Só o fato de vermos o quão desumanos e inapropriados que eles são, já sentimos um alívio social em nosso ser. Contudo, em tempos de The White Lotus (HBO), depois vem o famigerado Triângulo da Tristeza (BBC Film) e como se não fosse o bastante, esses privilegiados sociais continuam sendo o foco dos holofotes e do tapete vermelho. Falem mal, mas falem... 

Conectamo-nos com essas narrativas porque o cunho social delas escancara algo que a outra grande parte da sociedade desconhece: o desprezo, a aporofobia e o descaso com os que não tem oportunidades de frequentar e usufruir do luxo que a sociedade oferta. Oferta, apenas para alguns. Os demais, assistem, e quando podem. Ambas as produções citadas acima colocam os privilegiados ricos em situações constrangedoras em que o dinheiro não é o último recurso da humanidade. Muito pelo contrário, a grana é capaz de nos pregar peças e nos colocar em enrascadas difíceis de escapar. Aí vem o vexame, a vergonha, o esbanjamento e o gasto exorbitante num resort de luxo italiano (ou do Havaí, se preferir), ou num cruzeiro a mar aberto. 

A falta de representatividade, diversidade e de cultura nas artes é um tema que nunca pode sair da pauta. Por que os ricos continuam vendendo? Até mesmo a vida “de merda” que eles levam, os vexames que eles pagam publicamente é produto rentável. Enquanto que o pobre, as classes média e baixa, os desfavorecidos não conseguem vender nem o mais precioso talento e o produto mais valioso que eles são capazes de produzir. Falta honestidade social entre nós; falta fraternidade social entre nós; falta amor social entre nós; falta humanidade e amizade social entre nós; falta conhecimento e cultura. E sobra muitos ricos por aí que, sem frequentar longas filas de espera, aguardam um simples telefone aprovando o seu produto na vitrine e nos cartazes pelo mundo. Quando o pobre vence, ele não vence diante de todo mundo, seu produto é veiculado e vendido para uma pequena parcela do mundo, quiçá, seu país. 

The White Lotus é uma série de drama incrível. Um roteiro super afiado com dilemas sociais pertinentes e atuais. Triângulo da Tristeza está na disputa pelo Oscar de Melhor Filme de 2022. Colocar ricos nojentos e repugnantes num Cruzeiro a mar aberto com todos os requintes e bom gostos que a carteira deles é capaz de bancar é uma atitude magistral. Expô-los ao constrangimento da casta socialite, mostrar que são podem “ser nojentos, porcos, podres e sem pudor” é um “tiro de mestre” do diretor sueco Ruben Östlund. Falem mal, mas falem, isso confere engajamento e visibilidade, um possível cancelamento, talvez, mas nada se compara em estar na mídia e na boca do povo, não é mesmo? 

Enquanto isso, ficamos do outro lado da sociedade, tentando vender honestidade e credibilidade. Lutando para conquistar os suados views no Instagram e torcendo para que vejam nosso talento, nosso trabalho, nosso filme, nosso livro e nossa história, sem muita riqueza, sem muito dinheiro, mas com amor, com vidas reais, com gente como a gente.




Por Dione Afonso | Jornalista

22.fevereiro.2023

Foto: Sally Jermain via Pixabay.

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