24 Mar
24Mar

O verbo “ir”, em minhas narrativas, sempre significou “doer”. Pois, se eu vou, algo e alguém sempre ficam. Ficam porque é necessário ficar. E isso dói. Dói, não porque precisa doer, mas, dói, porque não sabemos ir sem deixar. E quando carregamos o que deveria ficar, junto de nós, a viagem fica pesada, as cosias (ou as pessoas) perdem seu lugar, sua autonomia e tornam-se objetos de posse de quem comanda a jornada. Perdem a chance de escrever sua própria narrativa. 

Temos dificuldades de nos desapegar. Fico espantado quando percebo que nós, seres humanos, somos tentados a acumular coisas. Quem nunca teve em sua casa aquele quartinho da bagunça? Abarrotado de coisas que você não é capaz de se desapegar? Quantas oportunidades, quantas chances novas de vida acumulamos ali, entres essas quinquilharias inúteis para a nossa sobrevivência, mas, talvez, necessárias para que alguém construa a sua história? Mas o ser humano é um ser também de desejos e ele deseja acumular, juntar, possuir controlar, comandar. Quanto mais acumula, mais aumenta a sua sensação de poder, de controle, de força. 

Assistimos, com pesar, diariamente, uma humanidade que adoece a cada dia. As pessoas estão doentes e o diagnóstico consiste na incapacidade de distribuir, de doar, de deixar ir. Somos apegados e comprometidos com uma vida de supérfluos; comprometidos com uma sociedade desequilibrada; comprometidos com o nosso quartinho da bagunça que, em alguns casos, ele já nos impediu de mudar até mesmo o nosso endereço. Já pensou nisso? Quando temos muito, quando acumulamos, quando exibimos tudo o que possuímos, temos orgulho disso, mas é esse tudo o que possuímos que nos prende no chão, num lugar e nos impede de ir, porque não estamos dispostos a deixar. 

“Abrir mão” não parece ser algo desejoso de cada pessoa. Parece que está perdendo sua força e seu patrimônio. Se o seu maior bem, o seu tesouro está nesse quartinho da bagunça, ou naquelas tralhas que você acumula na sua garagem, sinto lhe informar, mas você foi enganado. Seu tesouro pode não ter nenhum valor para sua vida. Quanto mais você insiste no seu quartinho da bagunça, mais bagunçado será a sua vida; descontrolada e entupida de objetos, itens, coisas desnecessárias que te impedem de enxergar o caminho aberto e cheio de novas oportunidades em sua frente. 

As vezes, é necessário partir. Mudar de casa. Mudar de vida. Mudar de ambiente. E quem vai, que vá leve, tranquilo, em paz. As coisas que deixamos para trás se refazem com o tempo ou encontram substitutos na medida que você for narrando sua história. Sua força e seu poder não está no que você possui, mas está na sua capacidade de conquista. Porque isso você pode obter de novo, mas a chance de viver algo novo pode não se repetir na mesma proporção. Vá! E vá disposto a deixar.




Por Dione Afonso | Jornalista

24.março.2023

Foto: Levelord via Pixabay.

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