05 Mar
05Mar


Os encontros e desencontros hoje em dia estão cada vez mais estranhos e confusos. O cineasta Paul Thomas Anderson (1970) adora fazer desses encontros uma obra de arte fílmica capaz de nos intrigar, emocionar e também nos irritar. Faz poucos dias que debrucei sobre "Licorice Pizza" (2022). A grandiosidade da narrativa consegue enaltecer a dualidade identitária de cada pessoa, sobretudo, quando o pedido de um beijo torna-se algo muito mais inconveniente como "posso tocar neles?".

Hoje, mais incomum ainda, vivemos essa "pizza" de sabor estranho no decorrer do nosso cotidiano. Nasce o sol, e, ele põe-se a cada intervalo de 24 horas e o diálogo "posso te abraçar?" parece ter se tornado normal entre nós. O "oi"; "como vai?"; "quanto tempo!"; "que saudades", foi substituído, sem cerimônias, pelo: "POSSO TE ABRAÇAR?". Pior ainda, há quem se justifica: "eu estou limpo". Uma conotação ambígua ao se referir à própria imagem e saúde.

E ninguém acha estranho. Ninguém se preocupa. O tal do "novo normal" agora tem mais personalidade e autonomia, ao ponto de pedirmos permissão para abraçar quem a gente gosta... quiçá, até mesmo quem a gente ama...

Mas ninguém se importou em pedir licença para começar uma guerra. Sem novelas, o espírito ganancioso de poder nos fez invadir terras alheias, comunidades diversas, corpos de outrem, sem perguntar: "posso?". Posso começar com vocês uma guerra? Vocês se importam que eu exploda a capital de seu país? Posso exilar suas crianças? Torná-las órfãs? Refugiadas em países estranhos... que, pelo menos, se preocuparam em acolhe-las...

Se optamos pela guerra, não há chances de ter vitória!

Se optamos pela guerra, o número de sobreviventes não é motivo de alegria

Se optamos pela guerra, excluímos a educação

Se optamos pela guerra, optamos em matar e não em salvar vidas

Se optamos pela guerra, recusamos o diálogo

Se optamos pela guerra, desacreditamos na política

Se optamos pela guerra, usamos o poder em benefício próprio

Se optamos pela guerra, optamos em matar e destruir um alguém igual a nós, sem motivos...

Optamos em pedir permissão para abraçar alguém. Mas não optamos em dialogar quando o sistema social não vai bem. Não favorece e nem salvaguarda a vida social e a vida comum. Paul Thomas Anderson também fez e faz suas opções. Opta em narrar a história de uma relação que antes de se tornar amor verdadeiro, precisa ser amizade verdadeira. Precisa ser uma relação de respeito e de diálogo. Amadurecido. Firme e seguro. Honesto e claro.

Enquanto isso, nós vamos fazendo as nossas opções. Opções que navegam por um campo minado de políticas pessoais, interesses egocêntricos, oportunismo ativista e poder bélico soberano. São as opções que rondam por aí... Se generalizei, perdoe-me, fiz algumas opções. Mas, quero escolher continuar olhando para o outro - com ou sem a máscara - tendo a capacidade de ainda mirar-lhe nos olhos, sorrir com o brilho de cada olhar e assim, irmos fazendo opções que nos ajude a sermos seres humanos mais próximos, verdadeiros e que plante em cada lugar a cultura do abraço honesto, que nos recarrega, conforta, acolhe, ama e salva.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

05.mar.2022

Foto: Reprodução/Cottonbro no Pexels 

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.