10 Jan
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Comecei a graduação de Letras. Um curso promissor. Com quatro meses migrei para Direito. Fiz um semestre em algo que achei que tinha acertado. Tranquei e pedi transferência para o centro de Comunicação Social onde iniciei Jornalismo. Dois semestres. Parece que houve aí um progresso. Mais uma vez pedi transferência e fui parar na Psicologia. Não durei um semestre também pois não senti que me encaixava ali. Depois veio a insegurança financeira, a pandemia e alterou o rumo das coisas. 

Esse é o início de uma biografia de um jovem em seus 23 anos que, certo dia, conheci no início de minha segunda graduação em 2019. Eu fiquei, a princípio, confuso com toda aquela desenfreada tentativa em se encaixar em algum grupo, algum curso. Em busca de algo capaz de definir quem é e o que sonha ser amanhã. 

A dificuldade que os jovens têm em conquistar seus objetivos não é uma pauta recente. Desde que a juventude foi carimbada como a fase de grandes transformações da vida, ela carrega os espinhos da autorrealização, das opções e da independência pessoal. Hoje, em 2022, nada mudou. Os espinhos ainda existem e eles fazem parte, até mesmo, de uma condição humana que os instiga a crescer e a criar anticorpos de defesa contra as maldades que a sociedade cultiva. 

Quando assisti o Vencedor do Globo de Ouro deste ano, Ataque dos Cães da diretora Jane Campion, tive o mesmo sentimento de assombro quando me deparei com um jovem rapaz, delicado, filho de camponeses, mas que nada tinha a ver com o campo. Mais um jovem que não se encaixava em nenhum lugar. Peter Gordon ganhou o corpo do ator Kodi Smit-McPhee, que também levou a estatueta como Melhor Ator Coadjuvante em Filme. 

Gordon, sem que percebêssemos a princípio, guardava dentro de si um rancor que funcionava como uma bomba relógio. Sentimento esse alimentado por não poder ser quem é onde está. Vivendo com a mãe num Velho Oeste onde sobreviviam através de um restaurante imundo e mal frequentado, Gordon sonhava com as descobertas da medicina. Queria sair do campo para ser médico. Queria encontrar sua turma e um lugar na qual se encaixava. 

Igual a Peter e ao jovem do início desse texto, há muitos outros que buscam um lugar que tenha os traquejos que acolhem o próprio jeito de ser, de viver, de agir. Vivemos numa “multipluralidade” de formas, de amores, de gostos, de sabores, de vestimentas, de cores. Quando não conseguimos nos encaixar, sentimo-nos isolados, banidos e proibidos de ser felizes. E aí, aquela bomba relógio explode provocando um grande mal. Peter feriu Phil Burbank, vivido por Benedict Cumberbatch. Uma bomba silenciosa, que matou, no silêncio, uma pessoa. 

Na obra de Campion a felicidade de seus personagens era conquistada como o capturar de uma borboleta, simples e pura. A vida não é uma receita pronta que irá me proporcionar felicidade eterna; a vida é apenas um ingrediente que faz sua massa crescer.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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