29 Mar
29Mar

Vocês estão me ouvindo? Essa é a pergunta que mais tem ressoado nesses últimos meses. As interações sociais do outro lado da tela têm nos colocado numa situação bastante desconfortável. Professores, gerentes, secretários, políticos, alunos, amigos, toda e qualquer tipo de reunião tenta sobreviver a estes novos moldes.

Querer saber se estando sendo ouvidos do outro lado da tela é uma urgência primordial. Não obtemos retorno imediato, não por falta de tecnologia, mas é por falta de interagir com ela própria. Parece que ficamos totalmente desajustados na frente de uma máquina que media a minha conversa, revela meu rosto e faz frente à minha voz. O desconforto é tão grande que antes de ingressarmos numa vídeorreunião, a primeira coisa que fazemos é desabilitar câmera e microfone. Não queremos ser vistos. Não queremos falar. Ficamos na passividade porque está confortável assim. Estou priorizando o meu conforto e o meu bem-estar. A reunião ou a aula está acontecendo, e eu não preciso vestir meu terno e nem levantar da cama, o celular ou o computador estão plugados no fone de ouvido e deitado eu ouço tudo o que preciso ouvir e a vida segue. Não irei expor essa minha privacidade.

O clamor pela audição é bastante ensurdecedor. Expõe a nossa falta de expressão e a nossa antipatia em tempos de individualismo. E não queremos responder, mesmo ouvindo a pessoa do outro lado, eu não quero habilitar o microfone e falar. Isso me coloca no diálogo, e eu só quero ouvir. Com muita resistência digitamos no chat ao lado que estamos ouvindo. Só por via mesmo de respeito.

Você está me ouvindo? Será que você, ao ler mais este relato da vida comum do sua dia a dia está percebendo que eu também te pergunto se você, querido leitor, me ouve? Será que você, ao me ler, também ouve o meu pedido de socorro e de apelo? Pedido este que implora por um libertar os ouvidos e a voz. Abandonar os fones de ouvido e começar a deixar as orelhas livres para ouvir tudo e todos ao redor. Aos poucos vamos nos amarrando em fios, cabos, aparelhos, chips e nos tornamos escravos dessas ditas tecnologias que vieram com a promessa de facilitar a nossa vida. Facilita e privilegia. Privilegia no que diz respeito a construir nosso mundinho perfeito e fechado onde só eu e eu é que participa.

Vocês estão me vendo? Quero ver vocês também! Portanto, ligar a câmera é também um sinal de autoamor e de respeito. Primeiro porque você se ama, se acha lindo, linda, e cheio de defeitos. Sim, rosto perfeito é só uma questão de ponto de vista. Não precisamos nos esconder e nem é saudável que façamos isso. Não desejamos que essa era das câmeras vire febre, mas enquanto a saída for simplesmente essa, que possamos utiliza-la a nosso favor.


Por Dione Afonso | PUC Minas

Foto: Ouça o chão.Free-Photos por Pixabay

15 de outubro de 2020. 

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