O bordão que virou meme em 2020 é uma alusão à poses fotográficas de uma adolescente. Sua postura trivial caiu no efeito viralizador da internet e acabou abarcando bem mais do que uma simples brincadeira. Dois irmãos no nordeste do Brasil estavam tirando algumas fotos e, na tentativa de encontrar um melhor ângulo, soltaram o famoso “trava na beleza” que eu vou clicar. Sem saber o que significa, o gesto dos dedos indicador e médio apontando para o chão na altura da cintura é usado até como cumprimento numa conversa. O “até mais”, o “tchau”, até mesmo a despedida numa chamada de vídeo é substituída pelo “trava na beleza”.
No supermercado a colega de trabalho estava encerrando o seu turno e ao dizer “até amanhã” pra amiga, a despedida foi o gesto “trava na beleza”. Semana passada a tia estava conversando com as sobrinhas com menos de 10 anos cada uma, e elas se despediram fazendo o gesto dos dedinhos apontando para o chão. E a tia teve que aprender. É impressionante como que um gesto corporal substitui a fala com tanta facilidade. Nesse caso viral o gesto simboliza a beleza que é efêmera e passageira, por isso a “trava” nos condiciona àquele momento em que estou bem e bonito e meu amigo tem que segurar esse momento único, porque rapidamente irei sair de minha pose e voltarei a ser simplesmente eu. Sem beleza, sem sorriso, sem “biquinho”, sem uma pose impactante e sem fazer caras e bocas para causar onde eu estiver.
O gesto virou meme nas Redes Sociais e foi adotado sem nenhuma reflexão por todos nós. “Trava na beleza”, nada mais é que um “lembre-se de mim agora, porque esse é o meu melhor”. Você não irá mais me ver assim, então, trave essa imagem em sua cabeça e nunca mais se esqueça dela. Ela é o melhor de mim. O meu eu mais belo. O meu eu impecável. Encontramos na literatura, sobretudo em livros infantis várias referências a essas travas focadas em belezas passageiras. E vemos também o quanto nós nos esforçamos para ser o mais belo, possuir a beleza mais estonteante da terra.
“Espelho, espelho meu, nesse mundo há alguém mais bela do que eu?”, quem nunca ouviu o famoso desejo da feiticeira em tornar-se a mulher mais bela de todo o reino. No entanto, uma jovem inocente e pura de nome Branca de Neve, sem nenhum esforço descomunal era considerada a jovem dona do mais perfeito rosto, da pele mais macia e de beleza inigualável. Ou senão, ouviu falar de um belo rapaz, jovem e de beleza estonteante que se achou tão bonito, mas tão bonito que ao se ver refletido sobre a água quis tomar tal beleza para si e, tomado de pura vaidade, afoga-se na própria beleza pois se apaixonou por ela. Acho que tanto para a feiticeira, quanto para Narciso, travar na própria beleza não teve um destino muito prazeroso.
“Trava na beleza” é aquela fração de segundo em que a pessoa se sinta linda, no seu melhor momento e ocasião. Bonita, feliz, com seu melhor sorriso, digno de “travar” pra todo o sempre, para ser aclamada na posteridade. É claro que há momentos, talvez até mesmo questão de segundos em que sentimos aquela felicidade tremenda de um momento único que nunca mais esqueceremos em que nos sentimos especiais e simplesmente perfeitos. Alguns desses momentos as máquinas e as câmeras dos smartphones conseguem travar para que possamos lembrar para sempre. Outros, nós travamos na memória como lembrança daquele segundo que significou a vida toda.
Quando olhamos para essas duas literaturas antigas, mas profundas, percebemos que beleza, felicidade, paixão não são resultados daquele esforço hercúleo que empreitamos desgastadamente em busca da pele maravilhosa, do rosto perfeito, de dentes brilhantes e da maquiagem mais bela do mundo. Mas, a beleza está em saber aproveitar cada segundo dos nossos dias. Talvez as horas infinitas que você passa em frente do espelho se esforçando para pintar a mais perfeita beleza de si mesma não seja muito produtivo se você não cuidar da beleza que vem de dentro, que já vem pura e sem necessidade de maquiagens e tintas. Sempre, em qualquer lugar ou situação, sempre terá alguém que irá travar naquele segundo de beleza em que cada um de nós nos encontramos, pois foi especial para alguém. Cada segundo de nossa vida, há algo de especial em nós que será travado na vida de alguém. Nem sempre iremos absorver, nós perdemos muitos segundos, minutos, horas, as vezes até anos de nossas vidas. Mas, nem sempre seremos esquecidos, sempre terá alguém “travando” aquele segundo especial e inesquecível em que você foi e é único na vida de alguém. O “trava na beleza” é aquela fração de segundo que um flash registra num click, fazendo uma imagem perfeita de si capaz de render alguns bons likes no Instagram e outros alguns views no story. Mas, além disso, “trava na beleza” pode render também aquele momento eternizado na memória de alguém que nenhuma Rede Social irá bater o recorde de curtidas.
Trave agora, porque amanhã posso estar triste, feio, desarrumado, e sem motivos pra postar nas Redes Sociais.
Trave agora, porque amanhã será outro dia.
Trave agora, pois daqui a pouco estaremos em outra.
Por Dione Afonso, SDN | PUC Minas
Foto: De dentro. Imagem de David Bruyland / @tweetyspics / por Pixabay
21 de janeiro de 2021.