Há poucos dias – uma semana, mais ou menos – escrevi a crônica “quem será o primeiro?”, que eu acredito que você tenha lido. Minhas crônicas são sentimentos, pensamentos e acontecimentos do cotidiano. Não são grandes coisas, teorias profundas e nenhuma filosofia de vida. São coisas simples e pequenas do dia a dia. Meus textos são mais pra preencher lacunas que para te transmitir algum conhecimento sobre a vida. Não tenho e nem nunca tive a pretensão de ensinar algo com o que escrevo. Afinal, vidas simples sem nenhuma novidade extraordinária teria o que para ensinar?
Mas, voltando... O que quero dizer é que quando a escrevi, escrevi com o coração, escrevi com raiva, chorei, até. Não que as outras não tenham tido o meu coração nelas, algumas têm até memórias. Mas, quis colocar no papel tudo o que estava acontecendo e que estava mexendo comigo, machucando por dentro. No entanto, sabe quando você percebe que não foi externado tudo? Quando ficam aqueles resquícios de sujeira pra trás que a flanela não conseguiu remover? Então, hoje comecei a pensar sobre “que vida deve vir primeiro”. Parecia a continuação da anterior. Aquela estava tentando te contar o que a TV estava nos mostrando e o que os produtores e facilitadores de notícias estavam construindo. Essa veio após o grandioso evento. Um grande show pirotécnico se espalha em todas as cidades do país. Grandes vivas! Aplausos! A esperança chegou! A salvação chegou em nossas casas!
Olhando para os amigos que estão sofrendo com essa guerra biológica que estamos assistindo comecei a me questionar que vida deve vir primeiro? Será aquela que está correndo o risco de “abraçar a morte como uma velha amiga”? Que por causa de um descuido ou por conta da falta de melhores condições de moradia, profissão, emprego, estudos, “não teve escolha”? Que vida deve vir primeiro? Será aquela que por um erro entrou por caminhos tortuosos, foi fisgado pela inocência corrupta e iludido pelo brilho do falso poder, ganância e os 15 minutos de fama? Que por ter um cotidiano tão sufocado está à beira do precipício ilusório de que uma queda resolveria seus problemas? Que vida vem primeiro?
Depois de Monica Calazans, a enfermeira brasileira, mulher, negra, uma das nossas heroínas que estão na linha de frente nessa tal guerra, várias cidades e capitais também iniciaram seus planos de “conter o mal”. E assim, abrindo aqueles portais diante de uma guerra iminente, “Vingadores” emergem juntos a se juntar à Monica para combater o vírus que nos fere e nos mata. Que vida vem primeiro? As Redes Sociais, os jornalistas, as emissoras de TV e a Internet ficaram muito interessados em produzir vossos shows por todo o Brasil. Enquanto isso, Monica e os milhares de profissionais da saúde continuam na linha de frente. Imunizados? Sim! Mas ainda se questionando que vida vem primeiro enquanto muitos dos nossos continuam morrendo e as principais capitais do país batendo recorde de mortos a cada 24 horas.
Obrigado Monica por ser esse sinal de esperança e mostrar para nós quem, de fato, deveria vir primeiro. Que pena que a mídia violenta, interesseira, oportunista, política, falsa e corrupta fez de você, sua imagem e sua profissão mais um show de fama como fazem com muitos de nós.
Eu me pergunto: QUE VIDA VEM PRIMEIRO? A minha? A sua? A do vizinho? A do honesto? A do leito? A do preso?
Eu lhe pergunto: QUE VIDA VEM PRIMEIRO? A dos humanos? De pele, carne, osso, órgãos, sangue e que em nada diferem um dos outros? A dos humanos? Que sentem dor, que choram, que trabalham, que lutam todos os dias pra sorrir?
Quais vidas vêm primeiro?
Por Dione Afonso | PUC Minas
Foto: Esperança. Imagem de Lolame por Pixabay
28 de janeiro de 2021.