29 Mar
29Mar

Não me perturbe!

Não me incomode!

Não mexa comigo!

São regras da sociedade atual transmitidas a nós através de um único aparelhinho: os famosos fones de ouvido. Discretos, enormes, coloridos, sem fio, embutidos, não importa, quem “está de fone de ouvido não quer guerra com ninguém”. Como diz o famoso ditado de 2019.

O famoso single “Ela não quer guerra com ninguém” fez tanto sucesso que foi eleita uma das mais tocadas do carnaval de 2020. O sucesso do Parangolé só ficou atrás de “O Mundo Vai” de Ivete Sangalo. A letra composta por Filipe Escandurras reflete no maior desejo atual: me sentir bem, bonita, plena, realizada e feliz. E isso significa ter meu cabelo bem arrumado, unhas perfeitas, autoestima garantida. “Contatinho” De Anitta segue essa lista.

Fones de ouvido mais Parangolé parece ser sinal de satisfação. E quando o single toca no nosso rádio, a felicidade é garantida, pois a “nossa música” está tocando. Não queremos guerra com ninguém. Conversa comigo não. Mexe comigo não. Não me pergunta nada não. Socializa comigo não. Não quero saber seu nome. Não quero te ouvir. Não me conte seus problemas. Não me pergunte as horas. Não procure informações comigo.

Tudo isso é igual a: ESTOU COM FONES DE OUVIDO, ou seja, me deixa no meu mundinho, não quero guerra com ninguém. Mas que sentido faz se uma música não pode ser ouvida em grupo, com os amigos? Rádio é comunidade, é alegria, é encontro, é reunião. Fones de ouvido são tão individualistas, ou, quando o dividimos, dividimos só com uma única pessoa, aquela que eu sei que não vai me questionar.

Não querer guerra com ninguém é não estar afim de ser enfrentado ou questionado com quem é diferente de você, ouve estilos musicais diferentes do seu. E assim eu vou construindo um mundo perfeito, só meu, onde ninguém interfere com seus gostos e desejos tão estranhos a mim.

Nos fones de ouvido um mundo todo é construído, as vezes um mundo tão sofrido, doído, cheio de marcas, que é protegido por uma redoma poderosa: a tristeza. Enquanto não queremos guerra com ninguém guerreamos contra nós mesmos, tentando sobreviver a esse emaranhado de coisas que construímos ao nosso redor.

Liberte-se dos fones, e assuma os autofalantes. Rádio é libertador!




Por Dione Afonso | PUC Minas

Foto: Afogado.Vanleuven0 por Pixabay

08 de outubro de 2020. 

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