29 Mar
29Mar

Moro em Belo Horizonte, há mais ou menos uns 5 anos. Na mesma rua, mesmo endereço, mesmo Código de Endereçamento Postal (CEP). Essa foi a minha primeira experiência de cidade grande. Primeira capital que conheci de fato. Percebi que morar num lugar como esse não fez muito os meus desejos. Acho que o movimento tranquilo de uma cidade menor, com mais verde, mais ar e mais liberdade é o que se encaixa melhor em meu estilo de vida. 

No entanto, a cidade grande também tem suas vantagens, suas oportunidades, novos horizontes de opções de vida e de trabalho, bem como de estudos, amizades, relacionamentos, culturas, enfim... Digamos que a capital urbana nos oferta novas portas que nos levam a outros caminhos que a gente nem imaginava que eles pudessem existir. Quem não se encaixa nesse estilo de vida, se perde no meio de tantas opções, e, acaba por abrir a porta errada e levar uma vida indesejada. Não se engane, a possibilidade disso acontecer no interior também existe, talvez, com uma frequência menor, mas existe. Não é à toa que o número de pessoas tristes, depressivas, solitárias, amarguradas por não terem conquistado o estilo de vida que sempre sonharam, aumentou na última década e deu um salto gigantesco nos últimos 5 anos. Portas erradas nos ofertam vidas e rotinas que não damos conta de administrar. Uma vida sem o nosso controle perde o foco, o ideal, os sonhos, enfim, vive-se porque não tem outro jeito. 

Mas, você deve estar se perguntando onde que essa narrativa vai te conectar com o título dessa famigerada historinha patética, não é mesmo? 

Vivendo no mesmo endereço há 5 anos, na região da Pampulha, em Belo Horizonte, um bairro de periferia, mas, tranquilo, devido as circunstâncias de moradia, pobreza, vilas e favelas que aqui nos rodeiam, tenho me acostumado com o barulho das descargas dos carros ao invés do canto dos pássaros. Tenho me acostumado com o barulho das turbinas de avião (moro ao lado do Aeroporto Pampulha), ao invés das folhas sendo sacolejadas pelo vento. Tenho me acostumado com as buzinas dos motoristas de ônibus estressados ao invés do radinho de pilha da vizinha tocando aquela música bem legalzinha de se ouvir e dançar. Tenho me acostumado até com os gritos dos garis que vez ou outra se divertem aqui na rua no meio do trabalho tão pesado, árduo e exaustivo no hora do recolhimento do lixo. 

E aí, veio a pandemia, e algo no qual eu não estava acostumado, aconteceu. O silêncio? Calma! Não tire conclusões precipitadas. Descobri que meus vizinhos têm filhos! Sim, crianças, bebês, esse ser humaninho que diverte lares e dão outro rosto aos lugares em que vivem. 

Aquilo que estava oculto, foi descoberto, veio à tona e foi estacionar na rua onde se localiza o meu cep. Pois é, antes da pandemia havia uma certa paz que até então, não era símbolo de incômodo. A rua era livre para o tráfego dos veículos ensurdecedores que incomodavam a mim e a meus vizinhos. Instaurou-se a Era Pandêmica. O mundo adoeceu e as nossas doenças que antes estavam escondidas, resolveram se anunciar: meus vizinhos têm filhos, mas eles não são os vírus na qual me refiro, a doença está na falta de conexões relacionais e familiares. Hoje nós temos programas governamentais tão eficazes que praticamente nós não vemos as crianças crescerem. Não acompanhamos as faixas etárias e o desenvolvimento de nossos filhos. Por que? Porque eles passam todo o dia fora de casa. 

Enfim, com a pandemia, as crianças perderam as escolas e ganharam as casas e os pais. Ou seria, perderam os pais e a casa porque tinham as escolas integrais? O fato é que hoje, elas estão na minha rua atrapalhando meu silêncio e meus momentos de gravação e trabalho de edição jornalística. Mas, me divertem e me fazem voltar a memória lá nos tempos de infância quando eu também brincava de pique-esconde na rua, soltava pipas coloridas no céu, jogava bolinha de gude, e os gritos de alegria? Bom, foi preciso uma pandemia para que eu pudesse ver crianças na rua da minha casa.




Por Dione Afonso | PUC Minas

Foto: Brincadeira de criança. Imagem de Michael Gaida (@michaelgaida) por Pixabay 

04 de fevereiro de 2021. 

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