24 May
24May

Sempre achei um fenômeno formidável esse da internet. Estabelecer conexões e relações que nunca imaginávamos viver. Experimentar tecnologias que facilitam nossa rotina e ferramentas digitais que praticamente substituem nossas mãos nos afazeres mais triviais do dia a dia. Viralizar algum tema ou discurso, ou evento, por mais simples que seja, desde a intimidade de uma magna celebridade até o meme de alguém anônimo nas Redes. Isso é a internet! Capaz de consolidar uma nova ordem. Capaz também de excluir das relações visuais qualquer comportamento que não se encaixe em uma forma de regra moral social. 

Desde a textos bem elaborados até a imagens sem pretensão nenhuma de formar (pois, tudo o que é visto, ouvido, digitado, tocado, é informativo), as Redes Sociais são habitadas por todos e qualquer forma de vida humana de nosso planeta. Ela me permite conhecer ou dialogar com alguém do outro lado do oceano ao mesmo tempo que me desconecta com muita facilidade de quem divide o teto comigo. 

É comum hoje, ao acordar, abrirmos o Instagram e conferir quais foram os últimos passos daqueles que nós seguimos. Ir ao twitter e verificar quais nomes estão ocupando as treddings do dia e depois dar uma olhada no feed. Tudo é verificado antes mesmo de levantarmos da cama. Tudo e todos são verificáveis. Verifico se fulano ou cicrano estão agindo de acordo como rege a ordem moral e ética das relações humanas e se está cumprindo com a lei da boa vizinhança e com a postura de alguém que preza pelo bem e pela boa convivência. Claro, se assim não estiverem, os dedos já estão prontos para acender o alerta vermelho e movimentar toda a rede digital a perseguir quem não cumprir com a regra da boa vizinhança. E assim, cancelamos quem não pensa igual a nós. 

Nessa semana, a barba do jornalista William Bonner esteve entre os assuntos mais comentados nas Redes Sociais. O fato dele nunca ter se apresentado em público portando o estilo em frente à TV gerou certa discussão nas Redes Sociais. Será que iriam cancelar o repórter simplesmente por ter mudado de estilo? Terá o âncora do JN descumprido alguma regra de ordem nacional e profissional? Pode, a internet decidir o que é certo e errado, indicar que comportamento nós, os usuários da rede, devemos assumir? 

Uma simples mudança de visual causou grande alvoroço. Tornou-se o assunto mais compartilhado por trás das telas dos smartphones por milhares de brasileiros. A barba do Bonner tornou-se famosa e ícone de discussão. Viralizou! Fico pensando o quão tem sido comum e fácil hoje cancelar os outros. Cancelar é mais do que declarar alguém como inimigo. Cancelar é dizer pra todo mundo, pra todos que portam consigo uma mídia digital conectada à internet que alguém não é digno de atenção, de cuidado e de proximidade. Impedir alguém de se comunicar, de respirar, de viver... Isso é cancelar, e isso é desumano. É cruel. E é poderoso. 

Fico me perguntando qual será o nosso papel, ou o meu papel, o papel de quem tem a missão de formar opinião, o papel de alguém que tem o posto de dizer algo que muitos irão ler ou ouvir... O que pensar, dizer, o que fazer diante da realidade do nosso país e diante daquilo que as Redes compartilham. Bonner não foi cancelado. A discussão foi “sadia”, ele mesmo disse! Mas, e se não tivesse sido? E se uma discussão negativa tivesse sido levantada? Teria William Bonner voltado atrás em seu visual e cumprido a ordem da internet? Ou teria sido cancelado? E tudo isso porque alguém decidiu mudar. Decidiu viver de um jeito diferente, ou se vestir de forma diferente.

Por causa de uma barba...



Dione Afonso  |  PUC Minas

24 de maio de 2021

Foto: Imagem de Sarah Richter (@sarahrichterart) por Pixabay  

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