29 Mar
29Mar

A crônica da semana passada falava de audiênciaNão obstante, a de hoje é interferência. Quando algo não é audível, algo está interferindo. Perceba-se que o estado de conjugação de ambos se separam: enquanto um é, o outro está. Audiência tem a ver com estado de espírito. É preciso ser para ouvir. É preciso dar para ouvir. Dar atenção, dedicação, até mesmo parar, ou seja, dar pause para que uma audiência provoque o seu humano efeito de ser audível aos próprios órgãos. Enquanto que interferência não é estado de espírito, mas está no espírito, como um vírus. O vírus da interferência é algo que nos manipula, nos contamina, nos adoece e nos impede de ouvir, sentir, saborear, cheirar, enxergar.

Você é mais do que está ou está mais do que é? No ativismo cotidiano é fácil perceber o quanto nós damos valor ao que somos e ao que estamos. Na maioria das vezes o estar ganha muito mais relevância ao que se é simplesmente. Numa selfie, por exemplo, o estar tem que ser muito mais bonito e atraente do que o que se é. Quantas vezes no nosso dia, valorizamos muito mais o lugar que estamos do que a forma em que estamos nele? Matamos a cada dia a nossa essência e nossa intimidade em troca de lojas de grife, pubs luxuosos, centros de beleza e de celebridades, dívidas em cartões de crédito. Quantas vezes deixamos de nos perguntar como eu estou me sentindo em determinado lugar só porque o fato de estar lá vai render um número de visualizações viral em meus perfis nas Redes Sociais?

Interferências levam a óbito as audiências... Falo não só do rádio ou de qualquer outro Meio de Comunicação Social, mas de Meios de Comunicações Humanas.

Falo de interferências como algo de fora e de dentro. Por exemplo: de fora quando ondas desconhecidas interferem na conexão de um canal de Rádio ou de TV. Sabe aqueles zunidos, ruídos desagradáveis que poluem a voz do locutor e nos impede de ouvir com clareza a informação do dia. E, algo de dentro: quando interferimos numa comunicação saudável, colocamos nossas limitações na nossa frente e praticamente impedimos que o outro possa expressar com liberdade e respeito sobre o que está sentindo, vivendo, sofrendo, amando...

Interferências. Quando está dentro de nós é doença. Interferir é alterar totalmente o percurso de algum projeto já antecipadamente estudado e planejado. Interferir é mudar o rumo de um evento que deixa o cronograma tradicional e parte para a improvisação. Interferir é identificar que algo não está no lugar, ou um corpo estranho está alojado onde ele não pertence provocando desordem no natural. Doença, como um câncer. Um câncer interfere no bom funcionamento dos órgãos. Interferências: ou seja, algo está fora do lugar, atrapalhando a comunicação, a audiência e comprometendo a saúde.

Quantas são as interferências que adoecem nossas relações cotidianas, não é mesmo? Assim como os ruídos nos atrapalham de ouvir o programa do nosso radialista, os ruídos também podem nos afastar do convívio com outras pessoas. As vezes nós estamos contaminados com os vírus da interferência que não somos capazes de parar, sentar e emprestar nossos ouvidos para os outros. O outro, na maioria das vezes só queria ser audível, só queria ter alguém que o ouvisse. É nosso compromisso não interferir nesse diálogo: sem interferências, sem querer dar a solução para todos os problemas, sem julgamentos, sem inveja, sem discriminação... Interferências...

Mas que seja sempre de muita acolhida, aceitação, compreensão, empatia, sororidade, respeito, alegria, compaixão, sorrisos, amor... audiências...




Dione Afonso, Jornalismo PUC Minas

Foto: Conexões humanas. Public Domain Pictures por Pixabay

17 de setembro de 2020. 

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.