28 Sep
28Sep

As sitcoms americanas, quando surgiram e, ali por volta dos anos 1980, 1990 quando chegaram na sua fase de ouro da TV, eram os termômetros do país. Elas, através do humor descompromissado e tradicional traziam para as telas questões que tocavam diretamente nas mudanças comportamentais, tanto da sociedade, quanto das relações humanas. Avanços da vida moderna, advento das novas mídias, a mulher no campo social, a família negra, o ativismo LGBTQIA+, pós-epidemia do HIV, ativismo político e outras temáticas eram poderosas histórias para dar corpo ao audiovisual. 

Vencedora do Emmy 2022, Abbott Elementary, da ABC é uma sitcom de estilo mais documental e ficcional. A frase que ganha título-tema deste texto eu ouvi num dos episódios dessa série. Criada por Quinta Brunson, a produção tem uma estrutura cômica que documenta o dia a dia de professores em uma escola da Rede Pública de Ensino que precisam lidar com a frágil estrutura, a pouca distribuição de renda, o salário mínimo que mal cobre os gastos dos professores e ainda a falta de recursos didáticos para os alunos. E mais: a “Abbott Elementary” é uma escola da Filadélfia predominantemente negra e a maioria do corpo docente não se sustenta no cargo por mais de dois anos. No primeiro episódio já aparece uma professora que, chorando, pede demissão por não dar conta dos pequenos alunos que passam a controlar a sala de aula. Essa é a premissa da série. 

Num dos episódios – não digo que é o melhor, pois chorei em todos eles – a equipe de professores precisa lidar com a hiperatividade e o aparente QI avançado de alguns alunos e, para isso, tentam adotar um programa de ensino para “superdotados”. E é nesse contexto que a frase deste texto surge: se você espera encontrar o sucesso do seu futuro numa escola ou numa faculdade, você se matriculou na instituição errada. A escola e a faculdade existem para potencializar, aprimorar, educar e organizar a aptidão que mais se destaca em cada um de nós. Se no episódio em questão, o professor Gregory, interpretado pelo talentosíssimo Tyler James Williams, ensina-nos que não se trata de selecionar os superdotados, mas identificar o que que cada um é bom, nós, na nossa vida cotidiana também precisamos identificar aquela aptidão que mais se sobressai em cada um. 

Se estivermos focados em aprender a ter sucesso, iremos falhar miseravelmente. Mas, se focarmos naquilo que fazemos de melhor e potencializar isso a favor do ensino, do aprendizado, das disciplinas obrigatórias que a faculdade me impõe, teremos um resultado mais satisfatório. Gregory identifica, por exemplo, que, se uma aluna vive mexendo os pés e usando a mesa como um batuque, pode ser que ela tenha uma aptidão para a música, então, bora potencializar isso dentro da disciplina; se identifica que um outro aluno começa a abrir tampas, potes e portas, significa que ele tem uma curiosidade ímpar, portanto, vamos explorar isso a favor do aprendizado. Não há uma receita pronta para ser um professor. E se ele está na Rede Pública então, ainda faltará ingredientes para a receita. O que há é a capacidade e a empatia, de olhar, individualmente, para cada aluno, e ir identificando o que cada pequeno olhar quer nos falar. 


Fui aluno de escola pública a minha vida toda. Hoje, tenho duas graduações (na verdade estou concluindo a segunda, mas estou na reta final), e o orgulho em dizer que a primeira conquistei graças ao ENEM é sempre uma vitória e resultado de um bom ensino aprimorado por professores da rede pública. Tive professores que hoje, lembro com emoção e orgulho, pois eles se doam ao ensino de qualidade e tentam ao máximo não se amarrar às estruturas de ensino impostas por um sistema arcaico e sem senso de humanidade. Todo o meu Ensino Fundamental, foi naquela época em que eu tinha um único professor para todas as disciplinas, todas as turmas dividiam a mesma sala e a professora Silvana dava conta. Leninha Tavares, Nilton César, Juliano Arantes, Luciana Nascimento, Elizângela, Jaque Emerick, Adriano, e isso só para citar alguns que fizeram e ainda fazem a diferença. 

Ser professor é ser uma carta de amor às Novas Gerações. É ser uma gota de humanidade no mundo. Ser professor é mais que exibir um diploma, mas é ser poesia em tempos de guerra. É ser sempre uma vírgula onde os jovens desistem e põe um ponto final. É ser de exatas quando o assunto são os humanos. E ser de humanas quando faltar exatidão. Ser professor é não se limitar à sala de aula, mas tornar todo o espaço possível em lugar de aprendizado. É não se preocupar em ensinar a ter sucesso, mas é ter sucesso naquilo que aprendeu a ensinar. É não romantizar a criatividade de cada um se reinventar, mas denunciar a ausência de uma política educacional que olhe para este grupo com mais interesse e cuidado.





Por Dione Afonso  |  PUC Minas

28.set.2022

Foto: Reprodução / ABC /hulu

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