A cultura (ou as culturas) compreende um conjunto de processos comportamentais, tradição, gestos, família, alimentação, linguagem, trabalho etc. É o que faz o ser humano se firmar socialmente onde está: lugar, identidade (indivíduo) e comunidade. São processos humanizadores que nos ajudam a definir quem somos e no que acreditamos. Valores, ética e saberes que "rotulam" e identificam nossa casa e nossa comunidade.
Quando vários caminhos se fazem, vemos uma simbologia perfeita para nos ajudar a entender sobre "essas culturas". Pense em várias vias, estradas, apinhadas de gente que vem e vão, corredores de um longo shopping ou as ruas de uma grande cidade. E num determinado lugar há uma grande praça de encontro, de confluências de culturas, jeitos, odores, sabores, práticas e músicas, danças e vínculos relacionais... assim é a Praça de Alimentação de um shopping. Onde tudo se encontra e quase tudo se mistura. O cheiro saboroso de um camarão, por exemplo, por mais que se misture à pizza, à batata frita ou ao hambúrguer, ele se sobressai. Ele firma fortemente "sua cultura" e de onde veio.
E é nessa confluência que encontramos uma cena curiosa, senão, engraçada. Uma saga persistente de se manusear o hashi na hora de saborear uma "nova cultura" gastronômica. Entrar e conhecer o jeito do outro viver, comer, se vestir, falar, a "cultura do outro" faz parte de um esforço hercúleo, mas gratificante e generoso. É algo saboroso de se praticar. Entender um pouquinho sobre outras culturas, outros países, outras cidades, outros povos, alarga o nosso horizonte se observação. Você passa a observar menos do seu ponto de vista e passa a observar mais de outros pontos.
Voltando à saga da garota com seu sushi, o hashi teve que ser abandonado e os dedos tiveram que entrar em cena e realizar o papel degustador de levar o alimento à boca. E isso acontece não porque é vergonhoso. Não é fácil se encaixar e nem é correto dizer que aquele jeito de comer é superior à quem utiliza garfo e faca. Cultura e "culturas" não existem como competidoras. Existem como jeitos comuns e humanos de se conviverem. E todas têm sua função nos lugares que elas se representam. Minhas mãos ficaram maravilhadas ao agarrar com gosto um delicioso hambúrguer com muita carne e cheddar. Uma sensação gastronômica sedutora. Assim como a sensação de manusear o hashi. E perder tempo se decepcionando com experiências que não foram bem sucedidas é perder a chance de aproveitar as experiências aventureiras de sair do seu mundinho e experimentar o mundinho, o estilo de vida de outras pessoas. O tempo não existe só pra alimentar perdas de tempo com quem perde tempo sem ter tempo pra que dê tempo ao tempo. E aí continuamos a sermos engolidos pelo tempo, abusados pelo tempo, desrespeitados pelo tempo, presos pelo tempo e sozinhos no tempo.
Primeira Classe existe só pra confirmar que existem pessoas melhores que nós. Mas os únicos que acreditam e carimbam essa teoria é quem se diz ocupar tais lugares. É quem se diz saber manusear utensílios longe do seu alcance Cultural. Que existe agrupamentos verificados pelo bolso, pelas Redes Sociais, pelo banco, pelos títulos acadêmicos. E por falar em verificados, as Redes Sociais só verificam contas de grande visibilidade e isso existe só pra mostrar que você é mais um na multidão.
Mas você é mais que isso. Mesmo sendo um na multidão, a multidão não é a mesma sem você. Não devemos nos importar com o lugar, mas com quem estamos. E, assim, a gente faz o lugar acontecer. Porque somos cultura. A nossa e a da multidão.
Por Dione Afonso | PUC Minas
18 de setembro de 2021
Foto: Pixabay