12 Mar
12Mar


O povo brasileiro é um povo sonhador. De beleza, de valor.

Povo ordeiro, hospitaleiro e trabalhador.

Povo de bem, de coragem, feliz acolhedor.

Lembro-me de meu pai quando conta sobre sua infância, há quase cinco décadas. Histórias de cafeicultores. Produziam uma quantidade significativa de café arábica - uma qualidade específica do grão cafeeiro -  em um sítio onde eram meeiros - nome dado ao trabalhador que exerce a profissão mediante uma porcentagem com o dono das terras e da lavoura -, mas, por muitos anos, o café vinha se tornando uma cultura muito cara. Caro, também, eram os produtos e, para produzir, era preciso muitos investimentos. Naquela época o exercício era 99% braçal. A tecnologia ainda era escassa ou de pouco acesso e o trabalho era praticamente todo manual.

Vovô, ao terminar a safra, tinha que vender todo o café pra "equilibrar" as contas. Ainda tinha a reserva, e, para a despensa do ano seguinte, guardava um pouco do que chamamos de "escolha" - parte da catagem do café beneficiado, cuja qualidade é muito inferior, pois os grãos que ficaram defeituosos são catados pela máquina de beneficiar dando origem à "escolha"). Era humilhante produzir boas sacas de café e ter para beber um café cuja qualidade não servia para vender. O sonho do vovô naquela época era poder guardar um pouco do mesmo café que vendia para consumir com a família. Enquanto a Austrália e os países da Europa se deliciam com os nossos melhores grãos, colhidos debaixo do frio, da chuva torrencial, ou do sol estorricante, colhidos por idosos que há anos estão na lida; colhidos por jovens que sonham com um futuro melhor... enquanto isso, vovô e papai se humilham consumindo os grãos de sobra, a chamada "escolha", a cata final que, por vezes, não eram nem uma bebida de qualidade.

Vovô, anos mais tarde, realizava o desejo de décadas. Muitos da família presenciaram na despensa da casa dos avós, sacas de café guardadas para torrar e consumir durante o ano inteiro.


Hoje vivemos tempos semelhantes. 

Vi um pecuarista, ao vender um lote de gado, era um sonho, poder conseguir segurar um dos bois para matar e ter fartura em casa, mas, está muito difícil a vida e, para produzir, está muito caro,. Quando se vende, é para cobrir os custos, restando quase nada de lucro.

Penso no empregado de uma indústria automobilística, na linha de montagem de uma caminhonete de luxo, deve sonhar em um dia poder comprar uma, mas com o salário que recebe, sabe certamente que, se continuar do mesmo jeito, será um sonho impossível de ser realizado.


Um trabalhador da lavoura de cacau, no sul da Bahia, colhe um produto perfeito que será vendido, beneficiado e transformado em chocolate gourmet

Chocolate esse, que nunca sentirá o gosto, mesmo tendo produzido a matéria-prima.

O produtor de uvas que o diga, com a alta do dólar, não sentirá o gosto do espumante que sua produção resultou...

As coisas estão difíceis num Brasil que nos dá tudo, mas tira o nosso mundo.


Tem alguém tirando lucro das mãos que plantam, produzem. Tem alguém levando tudo e estes já não nos enganam. Submetidos a um sistema de exploração que cada vez se mostra mais sórdido, esperamos vencer os dias e chegar um tempo de bonança onde possa reinar a paz e a justiça.

Nascidos num solo abençoado, sabemos o valor de cada gota de suor desde cedo. É terrível imaginar que num paraíso de lugar, ainda vivemos com medo e isso já não é mais segredo.


Ainda sonho como vovô sonhava!

Em um dia poder ter condições de beber o melhor café que ele mesmo produzia. Eu sonho no dia que haverá equidade neste país, onde o pecuarista possa comer da picanha que produz sem medo de ficar com as contas no vermelho.

Onde o empregado que produz veículos possa comprar o carro dos sonhos zero quilômetro. 

Onde o trabalhador da lavoura de cacau possa comprar um bom chocolate para seus filhos, pois aquele doce foi amargo em seu dia a dia e nada seria mais justo. 

Onde o produtor de uvas possa produzir a um bom custo e ter dignidade para ele e sua família, que possa cumprir com os direitos trabalhistas dos seus colaboradores e na festa possa apreciar do bom vinho sem dor na consciência.


Se é um sonho, espero que um dia se realize, pois não estou sonhando sozinho, acontece o mesmo com outros milhares de brasileiros e brasileiras espalhados por esta terra que não tem sido "mãe gentil" mas continua sendo nossa "PÁTRIA AMADA BRASIL".




Por Mínison Domingos  |  Matipó-MG

12 de março de 2022  

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Foto: Imagem de cna Brasil 

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