12 Dec
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Pra um clássico que já está entre nós há 60 anos, a obra do galês Roald Dahl [1916-1990], filho de noruegueses, A Fantástica Fábrica de Chocolates é um marco grandioso para a literatura infanto-juvenil. A obra é recheada de magia, sonhos e um mundo criado por Dahl que encanta muitas crianças até hoje, contudo, a distopia capitalista que dá às páginas do livro um tom mais sombrio continua referenciando ao injusto mundo desigual. O livro critica veemente a desproporcional distribuição de riqueza evidenciando humanos gananciosos que insistem em controlar o poder nas mãos, construindo assim, a pobreza. 

Não é novidade que quando Wonka [2023] chega aos cinemas gera um certo desconforto e receio por uma geração que ama as adaptações, tanto o clássico de 1971, quanto o sombrio e sarcástico filme de 2005. Ambos respeitam a engenhosidade da obra de Dahl. Cada um direciona sua reflexão para um aspecto da história: se, em 2005 tempos um Wonka [Johnny Deep] mais fechado, amargurado, triste e vingativo, o clássico de 1971 traz o Willy Wonka [Gene Wilder] sonhador, carismático e esperançoso. Agora, com o jovem de 27 anos, Timothée Chalamet, Wonka entende que o mundo precisa ser bom... e doce. 


Revisitando o clássico de 1971 

Com Wonka, o filme, o diretor Paul King, que assina o roteiro em parceria com Simon Farnaby, percebemos que o cinema pode explorar outros sentimentos além da simples nostalgia. Chalamet nos entrega um Wonka jovem e cheio de sonhos. Alguém que não precisou ter muitas oportunidades na vida, mas teve o que todo ser humano precisa ter: sonhos. Wonka nos ensina a sonhar e nos ensina a não se agarrar ao que não funcionou, mas a encontrar o positivo naquilo que poderia ter sido melhor. Chalamet bebe direto da fonte, não de Dahl, mas de Gene Wilder, o primeiro Willy Wonka que os cinemas viram. As referências cinematográficas nos alegram e nos confortam. Os musicais estão ali não para servirem de boas cenas e de melodias que tocam, mas estão ali como parte da história, é como se dissesse que com a música, o chocolate adoça melhor e a vida segue seu rumo com mais suavidade. 

Quando olhamos para Deep, no remake de 2005, deparamo-nos com um Wonka que, assustado com a maldade do mundo se fecha em seu refúgio e decide tornar-se um antissocial e a não confiar em nenhum ser humano mais. Neste filme, a direção de Tim Burton com roteiro assinado por John August explora um pouco mais a sociedade que se afundou na sede do lucro, do dinheiro e do poder exploratório. Os cinco convites dourados que Wonka distribui servem mais como uma lição de moral revelando como que os adultos estão preparando (ou não) a nova geração para o futuro. Os musicais ficam a cargo apenas dos Oompa Loompas que respeitam a obra original e colocam um tom cômico no momento da lição de vida. 

Assistir Wonka é revisitar com prazer a originalidade de uma obra que tem muito para ensinar para nossos filhos e para os pais de nossos filhos. Não se deve impedir uma criança de sonhar e muito menos, desacreditar do sonho dela. Paul King explora este conceito com muita engenhosidade quando decide colocar Wonka, o personagem paralelo à pequena Noodle [Calah Lane], funcionando como uma segunda protagonista. Dois protagonistas que empreendem uma narrativa de descoberta; uma história em que a jornada do personagem precisa chegar a um lugar, precisa vencer, precisa conquistar. 


Timothée Chalamet e o sonho social de Willy Wonka 

Primeiro, é preciso ressaltar o trio de vilões: Prodnose [Matt Lucas]; Fickelgruber [Mathew Baynton] e Slugworth [Paterson Joseph], que foram responsáveis em atualizar o mal social. Grandes controladores da Galeria Gourmet, são os únicos com “direitos” a fabricar e vender chocolates na cidade. O poder capital deles controla, corrompe e suborna a política, a polícia, a igreja e o comércio. É impecável assistir o maravilhoso Rowan Atkinson como o Padre Priest, que encoberta o jogo sujo dos vilões. Em contrapartida, Wonka também tem seu time do bem: ele e a Noodle se unem a um aspirante a comediante, Risadinha [Rich Fulcher], a uma telefonista, um contador e a uma mulher de família. Juntos, presos num esquema de trabalho escravo decidem comprar a ideia de Wonka e dar a volta por cima. 

O Oompa Loompa que aqui é interpretado por Hugh Grant tem um papel pequeno, mas crucial: mostra que Willy Wonka é muito mais que um fabricante de chocolates: ele fabrica sonhos e estes sonhos são sobre os outros e a vida dos outros. O sonho social é representado por uma barra de chocolate que vai muito além dos ingredientes que ela possui. Wonka torna-se famoso por conta de suas fórmulas secretas que fazem seus chocolates serem diferentes de tudo o que já se provou no mundo. Mas, como a cena final nos mostra: não é tanto o ingrediente especial que ele leva, mas sim, com quem se compartilha. É esse o ingrediente especial de cada chocolate que compramos. 

Portanto, Wonka é, talvez o filme que as crianças precisam, que os pais precisam assistir com os filhos, que os filhos precisam. Talvez seja o filme que os comerciantes precisam, que as escolas precisam, que a juventude precisa, que o mundo precisa. Wonka nos mostra que enquanto gourmetizamos tanto os alimentos, acaba-se que perdemos a essência de cada prato, de cada comida, de cada alimento. Corremos o risco de gourmetizar também as relações, os sentimentos, o namoro, a amizade, os amigos... tudo fica chique, fino, bonito, mas, sem sabor, sem originalidade, sem naturalidade... É preciso fazer do nosso mundo um lugar melhor, bom, agradável... doce, talvez.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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