27 Feb
27Feb

Talvez o nome Darren Aronofsky seja estranho, mas você deve se lembrar de Cisne Negro (2010) ou do longa Mãe! (2017). São do mesmo cineasta norte-americano. Inominável, indecifrável, confuso e completamente enigmático, são os trabalhos deste diretor. Toda vez que este nome surge, já temos a certeza de que a história que Aronofsky está disposto a contar não é algo simples de assistir ou de entender. Geralmente ele busca motivações fora do alcance, não só de nossa compreensão, mas também nos holofotes de Hollywood e de algo já consagrada pela indústria cinematográfica. 

Em A Baleia não acontece nada diferente. O filme é angustiante. Horrível. Sofrível, a ponto de você desistir de ir até o final. A experiência é claustrofóbica num nível de dor irreparável. Marca a nossa consciência e nossos sentimentos de uma forma desoladora. Aronofsky se propõe em contar uma história que é baseada numa peça criada por Samuel D. Hunter, que, inclusive, assina o roteiro. Deparamo-nos com a história de Charlie, impecavelmente protagonizado por Brendan Fraser, merecidamente indicado ao Oscar por sua atuação. Charlie é um professor de redação e literatura, preso em sua poltrona com os seus mais de 250 kilos, vítima da alimentação impulsiva e da obesidade mórbida o que diminui seus dias de vida. Inclusive, o filme cronometra os dias de uma semana – a última da vida de Charlie. 


Bem-vindos à casa de Charlie (ou nem tão bem-vindos assim) 

Você já deve ter reparado que todo o desfecho do filme se dá dentro de uma casa pequena, escura, que, mesmo estando à beira-mar, nada do que acontece lá fora é importante para Charlie. Mesmo morando de frente para uma praia, isso não é o bastante para que o único habitante pudesse sentir as ondas batendo em seus pés. Ao lado de Fraser, conhecemos a atriz Hong Chau que faz a enfermeira Liz. Ela socorre Charlie em suas necessidades, não só hospitalares, mas se revela uma grande amiga, a única companhia que ele tem. Tudo neste filme é cruel: de um lado temos um professor competente, otimista, que sabe explorar, no bom sentido, o mais poderoso talento de um aluno. Sabe reconhecer o que as pessoas têm de melhor, mas não consegue se livrar do próprio mal, de sua dor, seus traumas. De outro lado temos uma profissional da saúde que não consegue recuperar o amigo, lida com uma situação desumana e mórbida e, mesmo assim, alimenta os vícios dele. 

Mas se você acha que a crueldade termina aí, espere até conhecer uma vilã ainda mais maldosa e cruel. Conheça Ellie, a filha de Charlie. A jovem atriz Sadie Sink consegue nos fazer odiar sua personagem com todas as nossas forças. Ela não está preocupada em recuperar o amor, a saúde e a vida de seu pai. Pelo contrário, o faz sentir ainda pior (não sei se isso é possível), ela é cruel, horrível, desumana e totalmente aproveitadora de situações pecaminosas e imperdoáveis. Ela se aproveita do jovem Thomas (Ty Simpkins), um religioso de uma Nova Comunidade Cristã, neo-pentecostal, disposto a converter Charlie e fazê-lo “aceitar Jesus” e o “amor de Deus”. Claro que Ellie faz o jovem virar motivo de chacota, entretanto, a religião que ele prega não é tão cristã assim e nem libertadora. Faz Charlie se sentir pior, pecador e “nojento”, nas próprias palavras de Thomas. 


Nem todos encontram redenção (ou, parece que nem todos a merecem...) 

A experiência de A Baleia, não é positiva. É um filme muito, muito cruel. Triste. Difícil. E que nos abala muito. Pede de nós maturidade, pois ele conta uma história sem redenção e sem superação. Uma história que termina num triste fim e num buraco sem perdão. Sem compaixão. Sem amor. Mas Charlie sempre é e foi muito otimista. Os seus motivos para sorrir eram o progresso de seus alunos e de sua filha. Charlie é um colecionador de traumas, de dores e de injustiças que a vida lhe deu... E que não são tão fáceis de serem superadas. Ele não reclama da vida, não reclama de sua situação. Ele culpa sistemas (a religião, pra ser mais direto) pela morte de seu parceiro. O homem que amou sua vida toda e que não consegue superar o luto. Enquanto um morre por ter parado de se alimentar, o outro morre por ter ingerido tudo o que podia. A vida e seus contrastes, não é mesmo? 

Não é simples dizer que temos que superar o luto, o desamor, o preconceito, a depressão, ou seja lá o que for pra superar... simplesmente convencer o outro de que “Deus existe e que é preciso crer nEle”, pode não ser tão libertador assim. Pode não ser o suficiente para ajudar a todos. Pode não ser o caminho mais reto e seguro para salvar uma vida. Thomas, tentou, diversas vezes apresentar esse “Deus” a Charlie, mas tudo o que ele queria era amor, e isso ele não encontrou nem na bíblia, nem na religião e muito menos em “deus”. Infelizmente, a mensagem que o filme traz não é positiva, mas apresenta um caminho para repensar que tipo de sistemas nós, hoje, alimentamos, seguimos e temos como humanos, justos e corretos. Foi alguns desses sistemas que não foram capazes de salvar nem Charlie e nem a sua família.





Por Dione Afonso | Jornalista

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