17 Mar
17Mar

Criada por Neil Druckmann, The Last Of Us é uma franquia de jogos lançada em 2013 que trata de uma trama sobre sobrevivência que mistura mortos-vivos, contaminação global e muito, muito sangue, ação, luta e corpos. Mas há, entre tudo isso, uma pitada de esperança, um resto de humanidade e uma chance, uma mínima e única chance de “consertar” as coisas. Não se trata de voltar ao que era antes – digamos que a narrativa é a nossa pandemia de hoje, no qual o cordyceps é o nosso covid e o mundo apocalíptico é meio que o que estão chamando de pós-pandemia. Para toda e qualquer semelhança... tire você suas conclusões. 

O universo dos jogos agora ganhou uma adaptação pata a TV e a série teve a conclusão de sua primeira temporada de 8 episódios bastante introdutórios, mas que já sabe onde ela pretende chegar. Há problemas de narrativa, de desenvolvimento e de roteiro, mas também há ganhos e muitos pontos positivos e um deles é saber se distanciar do que já conhecemos sobre tramas que tratam do mesmo universo. The Last Of Us segue a saga de Joel e Ellie (Pedro Pascal e Bella Ramsey). Ele, um sobrevivente, marcado pelo trauma do luto e da perda; ela, uma adolescente arrogante, de personalidade forte e que carrega uma esperança de salvação ao demonstrar “imune ao cordyceps”. Os dois embarcam numa jornada na qual precisam chegar no lugar certo em que Ellie poderá salvar a humanidade contribuindo para uma cura. No caminho, eles precisam lidar com gangues, monstros, contaminados e saqueadores. 


Mundos pós-apocalípticos explorados 

Resident Evil, Nação Zumbi, Guerra Z, Zumbilândia, The Walking Dead, Army of the Dead, Sucker Punch e, você pode adicionar outros nomes nessa lista... mas o que é claro e já altamente explorado é que mundos pós-apocalípticos, com corrida à sobrevivência, legião de mortos-vivos, contaminação mundial, já renderam inúmeras cenas para o audiovisual. É válido questionarmo-nos aqui sobre o que a série de Druckmann tem de novo para nos apresentar? O mundo atual está em crise – e mesmo que esse mantra tenha perdido sua importância, ele ainda é relevante – as relações estão em crise; o ser humano vive em crise. E, na série, a crise que a contaminação do cordyceps causou na humanidade parece muito real para quem acaba de sobreviver a uma crise sanitária muito semelhante. Os elementos reais, como o fungo, a proximidade temporal – a série é ambientada em 2013 quando os primeiros contaminados surgiram – os riscos sanitários, as medidas de restrição mexem com os nossos sentimentos e causam até mesmo uma sensação de pavor e de medo. 

A novidade, talvez, é perceptível na relação difícil e rancorosa entre a dupla de protagonistas. Pascal nos entrega um Joel bem fiel ao jogo, inclusive bastante assustador e violento em alguns capítulos da primeira temporada. Sobre a Ramsey é mais complicado avaliar suas semelhanças, pois este texto é assinado por alguém que não conhece o universo dos jogos, mas, na série a jovem atriz é impecável. Não dá para gostarmos dela, na verdade, a Ellie de Ramsey é odiosa, o que não desmerece a atuação da atriz. Ela entrega uma personagem perfeita, muito bem construída e de personalidade. 


Humanidade ferida e desonesta, egoísta e sem sentimentos 

Na verdade, todo o ambiente de The Last Of Us é desumano. Não há com o que se importar. Até mesmo a comuna que abriga o Tommy (Gabriel Luna), irmão de Joel não é lá tão socialmente humana assim, mas, é a única comunidade mais agradável que a primeira temporada nos proporciona. É difícil não lembrar daquela outra comunidade, aparentemente religiosa, crente no Deus da Bíblia que possui um líder pastor religioso que, segundo ele, tinha a missão de pastorear o rebanho perdido. Por trás de toda essa casca religiosa descobre-se que, para sobreviver, a comunidade, sem saber, tornou-se uma legião de canibais. A morte de uns para a sobrevivência de outros. Religiosos, não é mesmo?! 

A relação entre Joel e Ellie é desprovida de todo e qualquer sentimento. Há de um lado, uma carga que precisa ser entregue, e de outro, um soldado que precisa garantir que tudo chegue no destino final em segurança. Não há amizade, não há confiança, não há sentimentos, por mais que tudo isso seja essencial para a preservação da humanidade em nós, ali, isso não existe. Os dois constroem algo delicado, enigmático e difícil de manter. Os oito episódios patinaram numa relação fraca que não garante a sustentação de uma narrativa para a TV. A série teve seus pontos gloriosos quando se afastaram dos protagonistas e deram vida a pessoas que significaram alguma coisa para alguém. O casal do terceiro episódio; os irmãos do quinto; a amiga da Ellie no flashback são os grandes potenciais da série. Infelizmente há uma estrutura originária que garante que The Last Of Us é de um ambiente pós-apocalíptico, e isso resulta em participações esporádicas de personagens grandiosos, mas que jamais permanecerão. 

O resultado é uma narrativa fragmentada, que ainda tem dúvidas do caminho que deseja seguir. A construção dadaísta desconcerta o telespectador gerando desconforto e dúvidas interpretativas. Renovada para a segunda temporada, só nos resta aguardar que novos caminhos Joel e Ellie nos levarão.




Por Dione Afonso  |   Jornalista

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