25 Apr
25Apr

Com opiniões divergentes, consagração das críticas e inúmeras dúvidas a respeito das três horas de filme do Matt Reeves, The Batman estrelando Robert Pattinson como Bruce Wayne apresenta para o cinema uma reviravolta para o personagem. Com poucas cores, uma paleta fria e escura, sarcasmo e um profundo e doentio sentimento de vingança, ódio e desamor, Wayne inicia uma trajetória que o afasta completamente de seu heroísmo e parte para a vilania e desejo sanguinário. 

Reeves fez da nova narrativa uma proposta ousada de inserir, sem restrições e economias, um universo bastante assustador que inspira ao medo e ao terror. Para assistir o novo Batman é preciso ter a consciência de que as piadas da DC e as referências ao mundo colorido referenciando os atos heroicos do personagem não estarão presentes. O Pinguim de Burton, por exemplo, brincalhão e cheio de piadas, dá lugar a um pinguim politicamente corrupto, sarcástico e bem mais agressivo. 

Com Pattinson vivendo o Homem da Vingança, o elenco traz Andy Serkis como Alfred, um amigo incompreendido por Wayne; Zoe Kravitz como a Mulher-Gato, também vingativa e odiosa; Colin Farrell como Pinguim; Paul Dano como o Charada que ganha nesse longa um aspecto assustador, fantasmagórico e que surge nas cenas como se estivesse num trabalho do Mike Flanagan, que nos assusta a ponto de gritarmos de medo. O Charada se torna o principal vilão; ainda temos John Turturro como o Falcone, excelente referência das HQs, um vilão perfeito pro ator; Jeffrey Wright é o Comissário Gordon e Barry Keoghan promete ser um Coringa muito mais perverso do que o que já vimos até agora. (A partir daqui terá spoilers)   


The Batman e a reviravolta do personagem 

Quase nada de heroísmo; quase nada de amor próprio; nada de piadas, cores, brincadeiras e muito menos exibicionismo com a fortuna das empresas Wayne. Pattinson apresenta um Batman que recusa até mesmo o próprio nome. No filme, o tempo todo ele é referenciado e chamado por “Vingança”. Tal identidade já resume todo o filme e o que essa nova narrativa quer nos apresentar. Matt Reeves dirige uma história muito bem costura, construída com lógica e desenvolvida cada ato em sua inteireza. Infelizmente, isso resultou num filme muito longo e lento. As cenas de ação, as poucas que possuem, são muito bem colocadas, mas vemos isso acontecer com bem menos intensidade. É preciso concentração para aguentar assistir até o final. 

Esse novo Homem Morcego nos assusta. Não se apresenta para nós como aquele super-heroi que veio nos salvar das maldades do mundo e da sujeira de Gothan. Há quem diga que o Batman nunca foi um herói, que ele é mais um riquinho mimado que passa a vida toda esbanjando a herança deixada pelos pais e busca, o tempo todo, se vingar do assassinato deles. Contudo, quando se torna órfão de uma forma tão cruel assim é de se esperar que sua adolescência e juventude seja construída sob um sentimento de profunda tristeza e até depressão. Pattinson chega para nos entregar exatamente isso: um Batman cheio de olheiras, de poucas conversas, arrogante, mal educado que até mesmo desrespeita Alfred, seu fiel “escudeiro”, amigo da família. O Batman de Pattinson nos dá repulsa, nos faz até num certo ponto, odiá-lo. 

Entretanto, é preciso ler a obra como um todo, reavaliando todo o contexto de criação do personagem e as referências diretas às HQs. Robert Pattinson entrega um bom Batman. Nem todo herói precisa e deve sorrir, viver feliz, cortejado de cores alegres e vivendo entre amigos. Esse Batman vive profundamente a solidão – algo que o Batman do Christian Bale tentou, mas não conseguiu – vive a sua tristeza em seu silêncio e numa BatCaverna bem mais sombria, fria e sem os apetrechos luxuosos. A tecnologia ainda é uma arma positiva para o Batman de Pattinson, mas com bem menos exagero. 


A construção dos vilões 

Logicamente todo vilão é aquele que te põe medo; que ameaça a população e que te assusta. Não é como o Grindelwald de Mikkelsen que não nos assustou em nenhum momento de Animais Fantásticos Os Segredos de Dumbledore. É um ótimo ator, mas como vilão, faltou algo mais ali que fizesse sentido para a narrativa e, de fato, nos fizesse olhar para ele e dizer sem dúvidas: ele é o vilão. Voltando a The Batman, o Pinguim e o Charada entregaram uma atmosfera vilanesca assustadora e doentia. Mesma atmosfera encontramos no final com o Coringa de Keoghan e todo aquele contexto do Asilo Arkhan. 

Com o Charada de Dano tornando-se o principal vilão do filme, vimos como que um sentimento mal e um sociopata é capaz de destruir uma cidade. A narrativa de Reeves e o roteiro foi perfeito e entregou com maestria cada ato cruel do vilão. A cada cena, Batman ia ficando sem opções, quanto mais ele seguia, mais distante ficava de combater o mal e isso é o grande ponto positivo do filme: nos prendeu até a última cena. Paul Dano não quis só interpretar um vilão, ele quis fazer do vilão a sua segunda pele e oferecer ao mundo, através das telas do cinema, uma oportunidade de vingança e de “limpar a sociedade” de todo o mal que a suja e a mergulha num poço sem fim de corrupção e miséria. 

Tudo se encaixa na construção de uma mentira construída por pessoas que deveriam proteger a cidade. Aí entra a personalidade última do vilão Carmine Falcone. Muito bem projetado por Turturro, a personalidade de Falcone se aproximou muito das HQs. Um homem gentil, generoso, mas que destrói as relações de dentro para fora, capaz de atingir até mesmo a própria filha, Selina Kyle, a Mulher Gato de Kravitz. Uma personagem um pouco sem química, mas não ficou a desejar e fez sentido dentro da narrativa. No entanto, se não tivesse, não teria feito falta. 


O melhor Batman? 

Por fim, é chegada a hora do tira-teima. Desde Lewis Wilson, primeiro ator a dar vida ao Batman em 1943 num seriado de TV, no mínimo 9 outras versões de Batman apareceram no cinema e em séries de TV. O Batman de Robert Pattinson pode não ser a melhor versão, para a história que Reeves decidiu contar, ele serviu muito bem. Sua atuação e incorporação ao Homem Morcego não deixa brechas para opiniões negativas. Há algumas versões que desejaríamos não ter existido nas telas, mas, elas estão aí, o que nos dá uma gama de possibilidades e de gostos. A opinião do autor desse artigo não é tão relevante para quem chegou até aqui na leitura. Mas, afirmamos que Pattinson entregou uma boa atuação e que seu Batman tem futuro para próximas sequências, no entanto, não saberíamos dizer se ele se encaixaria bem numa possível franquia da Liga da Justiça por conta do novo tom que o roteiro assumiu. 

Herói ou não, vilão ou anti-vilão, ou anti-heroi, independentemente de como o chama, Batman marcou uma geração com seus atos heroicos no cinema e nas infinitas Sessões da Tarde na televisão aberta. Todo herói tem um passado. E toda história passada é marcada por fases boas e ruins. Nem todo ato heroico foi benéfico nesse universo ficcional. Sempre encaramos as ações heroicas cerceadas por escolhas nas quais tentam salvar o maior número possível de vidas. Mas nem sempre, esses atos são justos. E lembre-se: toda história é contada pelos mocinhos e divulgada pelos heróis. E nesse perspectiva, o vilão não passa de uma pessoa que não teve seu momento de defesa e de contar a sua história. Se vale uma opinião pessoal, o meu super-heroi da infância é o Batman. Cresci gostando e me identificando com ele e a vida dele. E isso nunca irei perder. Batman é o meu herói. Era o que eu via na Sessão da Tarde, longe das salas de cinema.





Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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