18 Oct
18Oct

Este artigo opinativo já se inicia trazendo um pedido e uma justificativa, mesmo que há aqueles que digam que quem se justifica é porque algo desonesto praticou. Não é o nosso caso. Talvez a desonestidade esteja num arco social mais amplo que foge um pouco da nossa bolha habitacional. Eis a justificativa: a reflexão que se segue aqui é fruto de um pensamento gestado há meses, desde que o longa “Capitã Marvel” chegou aos cinemas e, a conclusão veio com as críticas desonestas à série “She Hulk”. 

Dada a justificativa, sigamos em frente! A Fase 4 da Marvel, que se iniciou em janeiro de 2021 com WandaVision, a primeira produção do MCU para as telinhas, embarcou numa empreitada de unir duas linguagens comunicacionais diferentes, mas que não se divergem, dado que partem do mesmo princípio: o audiovisual. Contudo, a Marvel Studios sofreu de um mal que poderia ter sido sanado, o de não se especializar em produções limitadas para a TV. A produção do ano passado foi uma minissérie curta, de oito episódios que ousou ao apresentar uma ode à história da TV americana homenageando cada década da telinha, desde seu formato fechado, em preto e branco até as cores chegar aos pixels da tela em HD. WandaVision é até o momento atual, a melhor produção para a TV dos estúdios da Marvel. E, desde então, outras 9 produções para a TV, disponibilizadas pela plataforma de streaming do Disney Plus foram lançadas e, o tal estigma que prenunciamos no título se reafirmou. 


"Capitã Marvel", a heroína mulher 

O longa protagonizado pela Brie Larson, foi lançado em março de 2019 nos cinemas. Do ponto de vista criativo e de interesse público, o filme da primeira heroína mulher da Marvel, talvez não receberia tanta bilheteria se não tivesse um interesse maior: o concluir da Fase 3 com Vingadores Ultimato que seria lançado no mês seguinte. Isso é óbvio e faz parte de um pensamento crítico e livre de outros estigmas. O longa foi dirigido pela Anna Boden e por Ryan Fleck e sua narrativa é muito bem construída. É um bom filme e mostra com delicadeza a força da mulher frente a grandes ameaças e aos perigos que o universo enfrenta diante de uma possível invasão alienígena. 

Não tem muito o que criticar do filme. Infelizmente o hype pela obra não se concentra no fato de uma mulher poder ganhar o seu filme solo como verdadeira heroína e com poder o suficiente para defender seu povo e salvar a terra. Até então, os cinemas estão acostumados a verem homens fortes e brancos, “héteros top” com suas capas ou seus escudos preparados para salvar o planeta. Mas, quando é uma mulher a assumir essa posição, parece que a narrativa muda sua perspectiva e o roteiro começa a se blindar com enxertos que possam “segurar” a trama até o final. 

Capitã Marvel foi a grande “contemplada” por esse recurso: muitos foram aos cinemas conferir sua história visando algo maior. Agora, na Fase 4 do Universo Cinematográfico da Marvel, vemos novas heroínas mulheres saindo das sombras e assumindo seus mantos e armas contra as ameaças que a humanidade enfrenta. Talvez, e infelizmente, continua sendo a maior ameaça da vida delas, o preconceito, o desprezo e a segregação de uma sociedade machista e violenta. 


Tudo culmina em "Mulher Hulk" 

E essa narrativa chega no se ápice com a chegada da heroína Mulher Hulk. Prima de Bruce Banner que é afetada pelo sangue contaminado de raios Gama e se torna uma mulher com poderes de Hulk. A série da Marvel recebeu críticas ofensivas e sem um respaldo firme que sustentasse o porquê de tanto ódio despejado em cima de uma produção televisiva. Há sim, os problemas com o CGI, mas problemas que também afetaram outra série cinco meses atrás que foi Cavaleiro da Lua. Mas porque que o herói acabou tendo boa aceitação do público e a da Hulk mulher continua sendo estigmatizada até o final? 

A Marvel se encoraja dando passos significativos e mostrando novas heroínas mulheres como a sucessora do Gavião Arqueiro, Kate Bishop; Ms. Marvel; chegará no próximo mês a Coração de Ferro; provavelmente teremos uma mulher assumindo o manto da nova Pantera Negra... e os estúdios continuarão recebendo críticas ferrenhas contra essa produção. A qualidade técnica talvez será pauta dessas discussões, contudo, o fato do público enxergar que uma mulher assumirá o posto central da narrativa heroica de toda a humanidade, isso vai incomodar os “machões” da sociedade, os “héteros top”, pois se sentiram feridos e maculados ao perceberem que podem apanhar de uma mulher verde com o dobro do seu tamanho. 


As mulheres não querem dominar o mundo 

Mas, se elas quisessem, elas iriam conseguir. Enquanto elas estão incomodando, estão, ao mesmo tempo desvelando a fraqueza masculina da nossa sociedade. Homem que não se incomoda com uma mulher comandando uma força-tarefa, é homem seguro de sua sexualidade. Enquanto se sentirem ameaçados por elas estarem em postos de chefia, gerência, à frente de projetos, presidência de um país, rainha de uma nação, heroína na frente de batalha, é porque, no fundo, o seu jeito de ser homem não é tão seguro assim. Na verdade, é inseguro em sua própria forma de viver e de conviver com outras pessoas, sejam elas homem ou mulher. 

A primeira temporada de Mulher Hulk, da Casa das Ideias encomendada para a Disney Plus conclui carregando este estigma desde Capitã Marvel. Na série, protagonizada por Tatiana Maslany vemos muitos enxertos – não afirmamos que foi esse o objetivo do roteiro – sendo incrementados, participações especiais, presença de heróis ou vilões masculinos para firmar e, de certa forma, garantir o sucesso da audiência. Se foi esse o motivo, afirmamos que, talvez não precisasse, mas, uma vez feito, e da forma que foi feito, fez sentido na narrativa da primeira temporada. 

A série da “verdona”, tem seus problemas, mas também tem seu caráter cômico e criativo, como a quebra da quarta parede que foi feito de maneira muito bem preparada. Maslany tentou, com sua simpatia, conquistar seu público. Ao lado dela, tivemos um elenco positivo que se entregou em cada personagem e a série poderá seguir num segundo ano nos divertindo e mostrando um pouco mais da presença e do poder da mulher.




Por Dione Afonso   |   PUC Minas

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