09 Mar
09Mar

Quebrando os protocolos do texto jornalístico padrão, inicio esta narrativa em primeira pessoa: sou o Dione Afonso. Tenho 35 anos e cursei Jornalismo pela PUC Minas entre os anos de 2019-2022. Tenho na memória lembranças de 4 Copas do Mundo e de 5 Olimpíadas. Não sou muito inclinado aos esportes, mas sempre me orgulhei em ser um torcedor brasileiro. Durante os anos acadêmicos, percebi que a linha que divide o Jornalismo Esportivo de outros segmentos jornalísticos só era invisível para quem decide não enxergar. O campo do Jornalismo que se interessa pela cultura esportiva estava em ascensão durante os anos que passei na faculdade e, como um presente, construí amizades na faculdade com pessoas que são apaixonados pelo Jornalismo Esportivo. Ao assistir Setembro 5, muitas emoções voltaram à memória e a tensão do filme me fez recordar mais uma vez o porquê que o Jornalismo está em minha vida e compõe a minha história. 

O filme, que concorreu ao Oscar na Categoria de Melhor Roteiro Original, narra o fatídico massacre que manchou as Olimpíadas de 1972, em Munique, naquele 05 de setembro. Dirigido por Tim Fehlbaum, Setembro 5 muda a perspectiva do fato e nos coloca dentro das decisões difíceis e que mudam o pensamento de 900 milhões de espectadores, ao acompanharem uma transmissão ao vivo de um atentado terrorista dentro da Vila Olímpica. “Vocês são do esporte. Deixem que façam quem sabe fazer” – esta frase justifica o parágrafo anterior, narrado em primeira pessoa. E a decisão daqueles jornalistas do esporte, de narrarem algo que vai além dos jogos numa competição olímpica, revelam que falar de futebol, vôlei, boxe, vai além de dizer quem vence e quem perde. Com Peter Sarsgaard; Leonie Benesch e John Magaro, que entregam atuações de tirar o fôlego, entramos nos estúdios da TV ABC quando o único propósito deles era o de transmitir os Jogos Olímpicos. Até que... 


Não é sobre esporte 

Magaro dá vida ao repórter Geoffrey Mason [“Geff”] que comanda os takes, as cenas, o roteiro e controla tudo o que vai ou não no ar. Geff vê seu trabalho dar um giro de 360º quando de um minuto para o outro ele não está mais transmitindo as partidas dos jogos olímpicos, mas vê uma câmera, instalada no alto de um prédio, filmando uma sacada. Começa ali a transmissão do que, pela primeira vez, foi chamada ao vivo de um terrorismo. É contundente e pontual o diálogo sobre usar ou não a palavra “terrorista” ao vivo, durante os Jogos Olímpicos. Magaro concentra toda a sua energia ao entregar um personagem que parece carregar o futuro do mundo nas costas. No entanto, pode até não ser o futuro do mundo, mas as decisões ali tomadas, mudaram o rumo do jornalismo. 

Em contra partida, temos Sarsgaard. Interpretando Roone Arledge, ele é o chefe de reportagem. Arledge é o que dá o ultimato, a decisão final e o que chama a atenção quando algo de errado aconteceu. Também é o que elogia quando algo grandioso e bom foi feito. Arledge fica surpreso ao assistir o talento e agilidade, bem como a criatividade e ousadia de Geff, quando este decide e monta todo o esquete que iria ser transmitido. Geff decide sobre a abertura, a entrada ao vivo, como o repórter deveria se posicionar, o que devia ou não ser dito e até mesmo a direção artística dos letreiros. Um jornalista do esporte, tomando decisões de um jornalista de cobertura numa matéria informativa sobre um atentado terrorista. Atentar-se à veracidade de cada palavra que vai ao ar também é um ponto chave no roteiro do fabuloso trio que mereceu suas indicações ao Oscar: Moritz Binder, Tim Fehlbaum e Alex David. Conferir cada notícia, verificar cada informação, antes de ir ao ar é um papel essencial dentro do jornalismo. 

É preciso dedicar um parágrafo à atuação de uma das mulheres que também rouba a cena: Leonie Benesch que interpreta a intérprete Marianne Gebhardt. Fluente em algumas línguas, incluindo o alemão, Marianne se viu no meio de um verdadeiro “fogo cruzado”, quando a redação jornalística esportiva mudou o clímax. Enquanto, atenta às notícias locais dos veículos de notícias germânicos, Marianne mergulhou na investigação jornalística identificando os reféns daquele atentado. As Olimpíadas de 1972 acontecem 30 anos depois da Segunda Guerra Mundial e assistir inocentes judeus sendo assassinados mais uma vez em solo alemão tornou-se um ato duro demais para encarar com profissionalismo e sem explodir emocionalmente. Assim, Marianne transborda emotividade e seriedade em seu trabalho. A essencialidade de se ter alguém com tal nível de profissionalismo também confere credibilidade jornalísticas. 


Tudo é sobre esporte 

Depois de horas de angústia, nervosismo e tensão entre os jornalistas, o pós atentado no meio das competições olímpicas deixa rastros de várias histórias que precisam ser contadas. Geff, ao ser reconhecido pelo trabalho que realizou com muita centralidade, destreza e um pouco de emoção, ele não se deixa mostrar que estava decepcionado depois que tudo acabou. Ao afirmar que o que eles viram foi uma tragédia e que o que eles transmitiram é tudo muito cruel, fica-nos a reflexão de que, nem sempre o jornalismo consegue transmitir algo positivo, sadio e bom. Há um momento no roteiro em que se discutiam até em que ponto eles poderiam transmitir ao vivo. Se um dos reféns for morto a tiros e a câmera gravar, deveríamos transmitir a morte de um inocente ao vivo? Que impacto isto iria gerar? Até em que ponto o jornalismo estaria sendo positivo? O que deve e o que não deve ir ao ar? 

É tudo sobre esporte. É sobre histórias de pessoas que têm seus talentos como medalhas de honra para seus países. Toda a delegação de Israel foi assassinada nas Olimpíadas de 1972. Todos os atletas foram feitos de reféns por terroristas palestinos dentro da Vila Olímpica. Mais uma vez a Alemanha virou palco de derramamento de sangue de inocentes. Mas o esporte continuou ali, acontecendo. Pessoas competindo e concorrendo a medalhas. Setembro 5 é mais que necessário. É um filme que todo aspirante a jornalista precisa parar para assistir e refletir o que deseja fazer no jornalismo. Que tipo de profissional você deseja ser e até em que ponto você é capaz de ir por uma história, por um furo de reportagem... Houve um certo momento em que aqueles repórteres precisaram dizer em voz alta que não se tratava mais de uma competição, mas sim, de um serviço de informação verdadeira para a sociedade. Era uma utilidade pública em prol de uma humanidade ferida que precisava de respostas.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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