16 Nov
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Na falta de cabedais suficientes para afirmar que o trabalho de Kléber Mendonça Filho é uma escolha digna para representar o Brasil no Oscar em 2024, Retratos Fantasmas é uma história acertada para concorrer a tal prêmio. A torcida para que entre para a lista dos Melhores na Categoria de Filme Internacional faz jus à obra. O diretor brasileiro é natural de Recife e com 54 anos coleciona reconhecimentos por Bacurau, em 2019 pelo Festival de Cannes; O Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016) já esteve na respeitosa lista dos 10 melhores filmes da The New York Times; e esta é a segunda vez que uma obra do cineasta pode chegar ao Oscar. 

Respeito, admiração, nostalgia, memória e dignidade histórica são elementos que respiram do longa-metragem de Kléber Mendonça. Em Retratos Fantasmas, acompanhamos um misto biográfico: enquanto o cineasta tenta contar um pouco de si, esta pessoalidade se entrelaça à história do cinema que, por sua vez, narra a vida urbana do desenvolvimento da cidade de Recife. Digamos, aqui, que a biografia não é pura, simplesmente, pelo fato de o diretor deixar-se levar pelo lugar e por sua paixão: o cinema.


Uma carta com coração 

O ano de 2023 tornou-se uma era muito cinzenta para os hollywoodianos. Para o bem ou para o mal, atores e atrizes, cineastas e produtores, roteiristas e artistas se uniram para melhor recolocar a importância do cinema para a história e para a humanidade. Quando damos play a Retratos Fantasmas, não temos ideia nenhuma do que está por vir, mas, nos primeiros minutos de filme, percebe-se que ali há algo muito pessoal, humano e com sentimentos sinceros. A narração em off do próprio Kléber dá originalidade e patenteia que o que ele está prestes a nos mostrar é algo real e este algo afetou diretamente sua vida, suas relações e o comportamento da cidade. 

O movimento do passado não nos tira do tempo presente, porque a tática que o diretor utiliza é perspicaz ao mostrar para o telespectador que ação nenhuma deixa de influenciar no que pode vir acontecer. O Cinema São Luiz foi um marco histórico e, por isso, ajudou a escrever toda a história de Kléber e tornou-se chave essencial para entender o crescimento e o desenvolvimento da cidade do Recife. O que é uma marca muito presente nos filmes de Kléber Mendonça é que ele não se apega aos esquemas da ficção, mas ele acolchoa a ficção com cenas atuais e isso proporciona um misto agradável em ver funcionando na grande tela. 

Retratos Fantasmas tem coração e muito coração. Tem, também, lágrimas, para quem se apegar emocional e geograficamente com a cidade. Para aquele que pôde participar do crescimento de Recife, assistir este filme pode ser uma bonita forma de matar a saudade e reviver tudo o que a cidade conquistou. Tudo o que o São Luiz proporcionou. 


Um filme que é documento histórico: a metalinguagem 

Mais do que classificar o que Retratos Fantasmas é, se filme ou se documentário, se filme biográfico ou não, é importante ressaltar que ele se torna um documento histórico partindo das cenas reais de um passado que ficará pra sempre registrado nesta obra. São 3 olhares, talvez, fazendo aqui, um paralelo às três partes nas quais Kléber distribuiu o filme: um primeiro olhar afetivo e familiar. Kléber menciona sua mãe e a bela profissão que exerceu. Um segundo olhar se volta para a cultura, para a arte e Kléber traz a magia dos Cinemas de Rua. E, talvez, aqui entendemos a “invisibilidade” que o título da obra nos provoca: “fantasmas”. Por que, “fantasmas”? Por que “invisíveis”?... 

E, encontramos aqui, no meio de tanto afeto, recordação e saudosa memória, um manifesto, um ato denunciatório: por conta do desenvolvimento do centro urbano e a pouca retribuição monetária, artes como o cinema eram invisíveis e tornavam-se, simplesmente fantasmas na vida e na história do povo e da cidade. E na vida e Kléber também. E, portanto, nesta atmosfera, encontramos o terceiro olhar: será o cinema, a arte, uma possível lenda futura? Ou atual? Ou seja, chegaremos num momento em que tudo isso não passará de histórias, fantasmas, algo que um dia se tornará sobrenatural? A crítica é direta, mas, sutil. 

Um filme sobre filmes! Um filme que conta a história de outros filmes. Um diretor que conta sua própria história de como construiu seus filmes com um outro filme. A metalinguagem é evidente, não só na construção de cenas, gravações antigas, fotografias do passado, mas até mesmo na narrativa de Retratos Fantasmas, quando, nas cenas finais, o motorista de aplicativo fica “invisível” exatamente quando o veículo passa em frente ao que, há alguns anos, funcionava o amado Cinema São Luiz. Pessoas ficam invisíveis todos os dias; lugares desaparecem todos os dias; profissões tornam-se fantasmas todos os dias... e nós, o que faremos?





Por Dione Afonso  |  Jornalista

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