26 Jul
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Christopher Nolan (1970), cineasta britânico que protocola o título de um dos cineastas mais bem-sucedidos em Hollywood, teve sua estreia nas telonas em 1998, quando lançou Following, um filme de baixo orçamento que recebeu um certo crédito do público por se tratar de um trabalho independente assim como o próximo trabalho que foi Memento, de 2000. Nolan também é responsável pela trilogia do Batman O Cavaleiro das Trevas (2005-2012) e ao aclamado vencedor do Oscar Dunkirk (2017). Suas obras ganham notoriedade por abordarem temas difíceis de serem captados pelas telas, envolvendo filosofia, sociologia, questões éticas e também de cunho científico ficcional que tocam em questões humano-morais. 

Quando chegamos em 2023 com Oppenheimer, encontramos um Nolan mais puro e mais intenso diante de um dilema humano que até hoje é recordado por traumas duras e profundas: a criação da Bomba Atômica que pôs fim à Segunda Guerra Mundial, mas que deu início a uma guerra interminável. J. R. Oppenheimer foi o cientista que encabeçou o projeto mais ambicioso que a humanidade pôde presenciar. Oppenheimer parece ser um filme de “tomada única”, apesar de ser longo e cansativo, ele oferece uma experiência de impacto único, em que o telespectador experimenta de uma só vez o que ele acabou de assistir. Como a maioria de nós não presenciamos, no tempo presente, o que foi a destruição desumana de Nagasaki e Hiroshima, ao assistir o trabalho de Nolan é como se aquilo tudo foi vivido por nós e sentido em nossa própria pele. 


Filme de Oscar sem ter sido feito para ele 

Sim! Oppenheimer é uma obra-prima. Nolan baseou-se na obra de Kai Bird, “Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano”. O roteiro é intenso e profundo e põe os diálogos numa classificação incrível, a ponto de, como já afirmamos, colocar todos que assistem, dentro do episódio mais assustador de nossa história. O filme, desde o início, não tem nenhuma pretensão de encerrar uma discussão ou de nos dar respostas, e muito menos, dizer para onde irá nos levar. Praticamente, tudo é respondido na última cena, quando Oppenheimer (Cillian Murphy) dialoga com o cientista Albert Einstein (Tom Conti). Um diálogo que abre a principal trama desta narrativa e que fecha todo o dilema da humanidade: “nós destruímos o mundo”. 

Você, caro leitor, deve nos “tachar” de ingênuos quando afirmamos que este filme é um filme de óscar sem ter sido feito ambicionando a estatueta. Vamos explicar: se tomarmos em mãos a filmografia de Christopher Nolan, percebe-se que nesta obra o cineasta foge dos parâmetros hollywoodianos e se apresenta como um produtor mais amadurecido, com planos detalhes e fechados mais sufocantes e de um primor em tela grande excepcional. As cenas em preto e branco conversam de forma magistral com as cores, isso sem contar quando o cineasta foca as poucas cenas em que Florence Pugh aparece como o “namorico” de Oppenheimer, a jovem Jean Tatlock e de outros personagens como Rami Malek no papel de David Hill e o impecável Jack Quaid como o jovem cientista Richard Feynman. 

Esse mérito é o que tem feito muitos críticos afirmarem que este filme é a essência pura de Christopher Nolan. O que não está errado; faz jus o elogio visto que, mesmo quando se trata de um episódio desumano em nossa história, vemos muita humanidade em cada cena, em cada plano, em cada diálogo. 


Entre o medo da responsabilidade e o sonho da profissão 

Entre tantas camadas que a obra abre diante de nossos olhos, a principal delas é o grande embate – interno e externo de J. R. Oppenheimer. Cillian entrega uma atuação grandiosa; seu rosto já nos é muito familiar, e aqueles olhos parecem nos devorar com sua angústia, seu terror, medo e ambição desmedida. São olhares de muitos homens e mulheres, personalidades que não sufocadas pelo sucesso do trabalho, pelos sonhos que buscam conquistar e pelo sucesso financeiro, familiar e pessoal. Emily Blunt que faz o papel da esposa controvérsia, mulher forte e dona de casa e mãe, Kitty Oppenheimer, infelizmente teve um aceno pouco explorado. E o público sentiu que essa mulher tinha muito mais a acrescentar nessa narrativa. Contudo, essa escolha nos fez voltar e focar totalmente em Cillian Murphy, como o dono da história. 

O “pai da bomba atômica”, se desmonta no final de tudo. Encara inquéritos – oficiais e não-oficiais – que o condenam como o homem que atentou contra o mundo e abriu uma cicatriz imensa na humanidade. Sua frase, “eu me sinto como se eu tivesse sangue em minhas mãos”, gera um impacto de dor que é difícil de se esquecer. Se Nolan tinha o propósito de fazer com que nós nunca mais nos esquecêssemos desse episódio monstruoso, ele conseguiu. Vai ser difícil sair da sala do cinema e fingir que nada nos aconteceu e que nada aconteceu com nossos antepassados. 

Oppenheimer é um filme político sem que a política se tornasse foco da narrativa; é um filme científico sem que a ciência ditasse as regras dos diálogos; mas é um filme honesto, verdadeiro e humano, mesmo que o humano em questão apresentasse a maior dura e cruel forma de desumanidade possível.





Por Dione Afonso  |  Jornalista

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