09 Jun
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Desde 1969, a televisão brasileira exibe reprises de telenovelas, geralmente sendo as que obtiveram uma boa reação do público. Com a pandemia do coronavírus, a produção de novelas foi interrompida devido as medidas de segurança, e como uma solução, emissoras como TV Globo, Record e SBT, removeram as telenovelas que estavam sendo exibidas e recorreram a reprises. Durante esse tempo, as pessoas passam mais tempo em casa, o que pode influenciar no índice de audiência na televisão e, também, nos serviços de streaming, como o Globoplay. 

Contudo, devido a pandemia, esse recurso das reprises começa a sofrer alterações antes de retornar à grade televisiva. O público começa a perceber que as produções sofrem edições. Cenas são excluídas, diálogos são suprimidos. Esse recurso começa a construir um estilo de comunicação que influencia diretamente no comportamento e na postura do público. Há, portanto, uma tentativa de “readequar” a mesma produção numa nova época. Mas, porque adequar? Antes podia, e hoje não pode mais? 


Permissão para ser preconceituoso 

Fina Estampa, de Agnaldo Silva, foi um grande sucesso em 2011. A trama seguia uma mulher da alta sociedade que esbanjava luxo e glamour e que esnobava o pobre, o diferente. Tinha comportamentos preconceituosos, maldosos e vingativos. À primeira vista, foi amor e sucesso de audiência. A personagem de Christiane Torloni encantou o público. 

Com a reexibição durante a pandemia, as reações do público relacionado aos temas abordados podem ser diferentes de quando assistiram a telenovela pela primeira vez (e olha que 2011 não está muito longe). Mas, em 2020 (2021), o comportamento social mudou. E parece que para melhor. As piadinhas da dama da sociedade de Fina Estampa não são mais toleradas e ser homofóbica hoje é crime. Portanto, tal cena em que possui um tratamento dessa estirpe é deletada. O personagem Crô (Marcelo Serrado) foi abordado com a frase “Viado adora uma baixaria”.  E em outras cenas, Crô sustenta um namoro com outro homem que a novela insiste em esconder. Seria escândalo para o público ver um casal homoafetivo trocando gestos de amor e amizade numa TV aberta. O diferente tem que se esconder. Não é normal. 

Mas por outro lado, por exemplo, a cena racista pela qual a personagem Albertinho (André Garolli) provoca Dagmar (Cris Vianna) chamando-a de barraqueira e logo em seguida se referindo ao seu tom de pele escuro, permaneceu sem alteração de cortes. Essa cena em específico gerou uma grande reação do público que assistiu a reprise, apresentando desgosto pela ação do homem. Mas, a TV, em nenhum momento se justificou. 

A cena que explana um comportamento hostil de homofobia foi extraída da reprise, mas a cena racista permaneceu.  


Comunicação e comportamento 

As novelas têm a capacidade de despertar nas pessoas, sobretudo na sociedade, sentimentos e ações que, muitas das vezes, são automáticas. O poder da comunicação ultrapassa os limites da tecnologia e as barreiras do audiovisual. Percebe-se que os que interagem com essas produções estabelecem mais que um olhar crítico sobre a história contada, mas cria-se vínculos; estabelece relações. Isso, no cinema tem se tornado cada vez mais explícito. Com as novelas, o caminho não é muito diferente. O público cria paralelos entre a vida real e a que é televisionada nas histórias novelescas. 

“Contudo, o aspecto importante do argumento é destacar que o nosso envolvimento com a mídia, como os jornais e a TV, é uma forma de interação: quando se assiste à televisão ou se lê um jornal ou livro, não se está apenas recebendo ou consumindo um produto de mídia, mas penetra-se em um tipo distinto de interação social com outras pessoas que estão distantes” (THOMPSON, 2018). Recente, Amor de Mãe, de Manuela Dias, da TV Globo, por conta da pandemia, teve que ser adaptada ao contexto atual. Mesmo com as mudanças, o público não desapegou do enredo e da mensagem que a novela tinha o propósito de comunicar. 

A história de uma mãe procurando o filho perdido comoveu as pessoas e manteve sucesso desde a sua estreia. Reprisada, sem sombra de dúvidas, essa novela é um produto que será explorado futuramente. Outro fator interessante é que as redes sociais desempenharam papéis importantíssimos no decorrer da produção da novela, pelo fato de que o ambiente virtual se tornou realmente a única opção de estar com o outro. Era recorrente ver usuários pedindo, discutindo, indagando pontos relacionados à novela. Vale ressaltar que isso ocorre frequentemente com novelas atuais e principalmente as reprisadas, visto que a interpretação e a interação são diferentes. Outro trecho do texto de Thompson diz exatamente sobre isso: “Os sites das redes sociais (SRS) são o cenário perfeito para esse tipo de interação. Os indivíduos criam ou mantêm relações sociais com outras pessoas distantes, muitas delas apenas por intermédio do site de mídia social. Hoje vivemos em uma época de alta visibilidade midiática, o que agora se manifesta em um ambiente de informação digital" (Ibid).   


Brasil não é só futebol e carnaval 

As telenovelas permeiam o cotidiano brasileiro desde a popularização do televisor, acompanhando o desenvolvimento político e econômico do país. Com a democratização do acesso à informação, o público se viu cada vez mais presente nas telas, buscando nos personagens uma representação de sua realidade. Uma importante ferramenta encontrada pelos produtores foi manter a novela como “obras abertas”, logo percebendo o interesse do público pelas histórias, utilizando da pesquisa de opinião para moldar a estrutura do enredo, tendo na novela um espelho da realidade da nação. A mudança de panorama ocorreu no final da década de 60, com a novela Antônio Maria (Geraldo Vietri e Walther Negrão), da extinta TV Tupi, que implementou o “abrasileiramento” das histórias. Nos anos seguintes, adotando a fórmula de sucesso, a TV Globo, contando com sua excelência e tecnologia de ponta, potencializou as produções dos anos 70 em diante, colocando a novela como o principal produto difusor cultural no país.  

Mesmo com o enorme sucesso entre o público, as telenovelas ajudaram a reforçar estereótipos que marcaram o país nas décadas seguintes, relativizando a problemática. A liberdade acerca da relação entre transmissor e receptor anulou uma responsabilidade do produto com a sociedade, vendendo como entretenimento o racismo, a homofobia e o machismo. Casos históricos, quando contextualizados, deixam evidente a completa falta de consciência social, optando por uma massificação do produto diante de uma representação moral do fato. 

A novela Torre de Babel (Silvio de Abreu), de 1998, ficou marcada pela explosão do shopping que culminou na morte de um casal lésbico, interpretado pelas atrizes Christiane Torloni e Silvia Pfeifer. A ação ocorreu por intermédio da pesquisa popular, com uma grande parcela do público rejeitando o casal. Bem como no campo social, as novelas ajudam na fomentação de críticas políticas. Mesmo restrita à linha editorial da emissora, a novela, quando utiliza do contexto social para moldar os atos dos personagens, se posiciona contrária ou a favor de determinada ideologia, utilizando também do direcionamento do público para se posicionar. Em A Força do Querer (Glória Perez), de 2017, o tema abordado foi a violência e o tráfico nas favelas do Rio de Janeiro, enquanto os índices indicavam a maior crise de segurança pública em uma década. A trama, que antagonizava uma integrante de uma facção criminosa, deixando o protagonismo com uma policial, exibia uma visão romântica do período, com a população amedrontada com a escalada do terror, dando uma sensação de alento e desejo por justiça.   


Influência das Redes Sociais 

Fina Estampa foi reprisada em 2020. Um outro elemento, além dos já discutidos, continha uma crítica aos políticos de esquerda, que lideravam o país na época de exibição da novela, durante o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff. A crítica por uma mudança de posicionamento da emissora evidencia que, mesmo com a extinção da pesquisa de opinião sobre a novela, o público ainda influencia no enredo, mesmo de forma indireta. Tal cena foi deletada na reprise no início de 2021. Tal ato gerou desconforto entre o público e as Redes Sociais começaram a provocar a emissora televisiva cobrando um posicionamento. Após o ocorrido, a emissora optou por selecionar apenas novelas recentes, com um contexto político ameno, para utilizar na sua grade durante o período. 

As redes sociais servem de termômetro para as emissoras. Antes de optar por um produto, toda uma gama de análise e pesquisa do consumidor é feita, e mesmo em um produto midiático como uma novela, a opinião popular acaba definindo os rumos da narrativa. Nas últimas décadas, diferentemente de uma música, filme ou documentário, a novela reduziu a autonomia do dramaturgo, tocando apenas em temas socialmente aceitos e de interesse popular. Por outro lado, a mudança de panorama não significa que a produção não defenda posicionamentos contrários ou favoráveis aos interesses editoriais, mas sim, encontraram uma maneira de manter o público engajado, com as redes sociais se tornando palco de crítica e exaltação, mas sempre mantendo o produto em evidência, girando a máquina do consumo. 

As telenovelas são parte importante do entretenimento do brasileiro e, as produções nacionais, têm reconhecimento em outros países do mundo. A partir delas, é possível perceber um reflexo da sociedade no período em que o roteiro foi escrito, fato esse que fica evidente quando as emissoras decidem reprisar produções do passado e, cenas que antes eram aceitas, passam a ser duramente criticadas pelo público. Dessa forma, fica visível o fato de que a interpretação do produto midiático é distinta para cada indivíduo e sofre mudanças ao longo do tempo. 

Outro ponto relevante é a relação das produções, dos públicos e das redes sociais, em um período onde os espectadores estão isolados dentro de casa, a internet se torna uma “terra fértil” para discussões entre os espectadores. As empresas e produtoras também utilizam das redes sociais para conversar com seu público, permitindo um tom mais íntimo e atraindo mais consumidores para o seu produto.




Reportagem produzida para a disciplina Teoria e Pesquisa em Comunicação do Curso de Jornalismo pela PUC Minas. Sob a supervisão da professora Maria Ângela Mattos.


Por Bruno Freire

Lucas Krautz  

Mateus Câmara  

Ralph Assé  

Yagho Nikollas


Junho de 2021, alunos do 5º período.

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