21 Mar
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Não é a primeira vez que os livros do britânico Lee Child ganham fama nas telas. Em 2012 e 2016, os cineastas Christopher McQuarrie (2012) e Edward Zick (2016) adaptou o fenômeno literário gastando na objetividade do roteiro e na liberdade criativa ao lado de Tom Cruise, ator que deu vida ao protagonista Jack Reacher. Reacher é um veterano militar que saiu do serviço por “desavenças” no trabalho. Notado por sua inteligência ímpar, seu tamanho corporal meio desproporcional e sua liberdade diante do sistema capitalista, era impossível o indivíduo conseguir passar sem ser notado pelas cidadezinhas do interior dos Estados Unidos. 

Contando já com duas temporadas, agora Reacher é vivido por Alan Ritchson, um ator que também já viveu o Aquaman em Smallville, e, atualmente também está com um projeto ao lado de Arnold Schwarzenegger. A adaptação para uma série de TV recebe a produção de Nick Santora ao lado do próprio Child e, o novo trabalho pretende não deixar que tais “liberdades criativas” interfiram na originalidade do produto e do protagonista, bem como sua personalidade e solidão. As duas temporadas são muito bem equilibradas. Enquanto que na primeira Reacher precisa lidar com o assassinato de seu irmão e, consequentemente, com outros assassinatos que vão ocorrendo na medida que a investigação acontece, na segunda temporada, a ousadia dos produtores é ainda mais sagaz: Reacher descobre que que seus antigos parceiros do exército estão sendo mortos um a um. 


Reacher e sua humanidade escondida

À primeira vista não é muito comum classificar Jack Reacher como alguém humano e sentimental. Não que essas duas coisas sejam sinônimas, mas por conta de sua personalidade arrogante, tímida, silenciosa e distante das pessoas nos leva a fazer tal juízo. As duas temporadas acertam muito bem ao mostrar que alguém do porte de Ritchson pode ser gentil e capaz de sentir dor, amor, desejos e até mesmo o luto. Na realidade, é a dor da perda que permeia as duas primeiras temporadas de Reacher. Os personagens secundários como o investigador Oscar Finlay (Malcolm Goodwin) e a policial Roscoe Conklin (Willa Fitzgerald) até tentam ganhar o carisma do público, mas seus tempos de tela são sugados por Reacher, uma vez que a obra não deixa de perder o foco narrativo: ou seja, a história é só de um veterano militar que recebe uma aposentadoria e vive sem casa fixa e gosta de andar livre, sem mochila, e sem roupas além das que estão no corpo. 

Frances Neagley (Maria Sten) é a única personagem que a série nos apresenta que possui algum tipo de ligação emocional e de pertença com Jack Reacher. Neagley também é uma veterana militar que participou da Divisão comandada por Reacher. Inclusive, a série até nos aproxima dessas duas figuras que, ao mesmo tempo em que são enigmáticas, misteriosas e sem medo, também possuem a mesma condição quanto à pertença e a falta de interesse pela política, capitalismo, moda e outras coisas supérfluas de nossa sociedade. 

No meio de tanta violência e vingança, mortes e caça aos responsáveis por um sistema de corrupção e fraudes, é interessante como que a série equilibra o cômico e aquela sensação de leveza com certas piadas e com o próprio fato do tamanho gigante de Reacher que parece uma montanha de músculos andando a deriva pelas ruas, campos e trilhas. Não é ruim o fato de que todo o trabalho é dependente e fixado em um único personagem, até porque os diálogos amarram muito bem cada situação e a narrativa sabe concluir com exatidão o mistério que se abre na temporada. 


Uma constante luta contra a corrupção 

No fim de tudo, conseguimos compreender que o grande pano de fundo de todas as histórias é a rejeição e a tentativa de erradicar com o sistema de corrupção que infla os sistemas de segurança, policial e até mesmo de sistemas maiores. A segunda temporada consolida um vilão do mesmo nível de um filme de super-herói bem construído e com ameaças globais, que afetam todo o planeta. Shane Langston (Robert Patrick) é nojento, assustador e consegue nos pôr medo. Isso é muito satisfatório! Langston é um corrupto sem escrúpulos e sem medo das consequências. Está sempre disposto a passar por cima de tudo e de todos. Ele só não esperava que a “montanha Reacher” seria mais fácil de derrubar para passar por cima dela. 

Ver os próprios amigos (únicos, até) serem mortos um a um mexeu com um lado do personagem que muito nos emocionou. O jeito humano Reacher de ser é algo que encanta e que nos faz torcer pelo lado heróico da história. Não se trata de classificar o Reacher do segundo ano como um cara sentimental; mas trata-se de perceber que aquele homenzarrão, brucutu e de cara amarrada já foi capaz de criar laços de amizades no passado. Já sentiu o desejo de querer se amarrar a alguém, de amar alguém. Não é atoa que quando foi designado a construir uma Divisão, seus superiores deram a ele confiança total para que Reacher escolhesse com quem ele desejaria trabalhar, até porque, esta equipe iria “cutucar” os grandes da pirâmide Internacional de Segurança e das Forças Armadas. 

Por fim, é uma obra digna de respeito e que merece nosso apreço. Sutileza não é uma das qualidades de Jack Reacher e, nem tampouco da toda a equipe por trás desta produção. Nick Santora sabe muito bem disso e mostra que conhece a fundo o personagem que está em suas mãos. Ao mesmo tempo que Reacher dá cabeçadas e atira para todos os lados ele encoraja seus amigos, até mesmo a ponto de todos caírem de um helicóptero com rumo à morte certa. Chegar no final e sentir que foi vingado junto de Reacher é um sentimento de alívio que ultrapassa os pixels das telinhas para quem está acomodado no sofá.




Por Dione Afonso  |  Jornalista.

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