06 Jan
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Com chances de ser indicado à 95º edição do Oscar em 2023, o trabalho do cineasta Martin McDonagh está na lista dos 80 anos do Globo de Ouro, concorrendo na Categoria de Melhor Filme de Comédia. Na obra, Colin Farrell, Kerry Condon e Brendan Gleeson protagonizam uma história sobre como uma inimizade e a angústia podem se tornar uma da mais devastadora guerra contra o ser humano. O trio de atores protagonistas ainda contracenam com nomes como Barry Keoghan, Sheila Flitton, Jon Kenny e Gary Lydon. 

McDonagh também assina o roteiro de Os Banshees de Inisherin. Seu roteiro exala a melancolia e desilusão em relação às relações humano-afetivas. Seus protagonistas, Colm (Gleeson) e Padraic (Farrell) encabeçam um diálogo confuso, mas muito intenso que culmina em violência sem precedentes. Na tortura literária de McDonagh percebemos que o ponto fulcral dessa história é a decisão de Colm em não perder mais tempo com amizades, cervejas, jogos entre amigos e saídas em bares. E aproveitar os dias que lhe restam para construir algo digno de eternizar na memória e na história. Por isso que ele cita a música como filosofia da imortalidade. “A música é imortal”, diz ele. Até hoje ninguém se esquece de Bach, de Beethoven... então, é preciso compor uma canção, pois ela ficará na história e todos se lembrarão do meu feito. 


Em busca daquilo que permanece... 

Para estar em busca daquilo que permanece é preciso despir-se das vulgaridades e das coisas que apodrecem com o morrer dos dias. Um estado de guerra implanta no homem um espírito de esvaziamento. A vida perde seu sentido de permanência; as pessoas perdem seu sentido de existência e tudo o que sou vira poeira. Portanto, construir algo que perdura permite-nos sobreviver ao tempo e ao espaço. Permite-nos escrever uma história digna dos livros e que eterniza na memória das gerações futuras e de séculos vindouros. 

Padraic carrega o estigma do homem sem conhecimento, que não lê, é burro, chato, falastrão, homem simples e dependente. Mas um homem bom. Percebe-se que em seu coração não há espaço para a maldade, que a amizade, as pessoas, sua irmã que é a única família que possui, os animais de sua fazendinha, é um tesouro valioso para ele. Esperteza e desejo de se eternizar na história não são coisas mais importantes para ele. E todos os defeitos deste personagem são compensados pela pureza de vida e simplicidade. 

O conflito entre Colm e Padraic revela que ambos estão em níveis diferentes daquilo que desejam. A ilha de Inisherin já não comporta os anseios de Colm. A vida precisa de mais; ele precisa de mais; aspira a algo maior. Enquanto que Padraic já tem tudo o que deseja: uma vidinha pacata, mas satisfatória; sua cerveja no bar de cada dia; sua família e seu melhor amigo. 


Uma guerra silenciosa: a inimizade 

Enquanto McDonagh nos apresenta a vida dos moradores na ilha de Inisherin, aos fundos tiros e explosões de bomba anunciam uma Guerra Civil Irlandesa. Do outro lado do imenso lago. Contudo, o cineasta tenta nos dizer que há uma grande guerra muito perto de nós, silenciosa, rasteira que nos corrói de dentro pra fora. Não faz barulho, mas aniquila muito mais área que a bomba atômica. 

A ilha é bela, as águas que a rodeiam são esplêndidas, o horizonte é sereno e lindo. Mas mesmo assim há uma enclausuramento que sufoca e nos prende à solidão. O resultado é uma história de desamor. Colm e Padraic se esquecem do essencial que é a amizade e passam a dar valor ao próprio umbigo. A irmã de Padraic, Siobhan (Condon) não cede aos encantos do jovem Dominic (Keogan) e prefere seguir seu sonho, deixando-o à deriva e à morte precoce. 

Enquanto a guerra do outro lado mata a tiros e bomba a guerra daqui dilacera com desamor, antipatia, rancor, individualismo e solidão. Cada um encontra seu fim: um foge, outro desiste da vida, outro se entrega à depressão e outro à solidão. McDonagh deixa claro que o final triste e desolador é certeiro para todos ali. E não seria para todos nós? Inimigos de nós mesmos?




Por Dione Afonso | Jornalista

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