04 Nov
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Para assistir Eternos, novo longa da Marvel Studios e dirigido pela Vencedora do Oscar, Chloe Zhao, é preciso estar de coração aberto e espírito livre. Para que uma guerra aconteça, não precisa, necessariamente, existir um vilão na história. Quantas vezes nós fomos os vilões de nós mesmos? Quantas vezes fizemos dos homens os vilões que apostaram em guerras e genocídios durante a história da humanidade? Eternos, então, torna-se um filme grandioso, uma Literatura Divina e Humana que faz de nós, pequenos seres terrestres, diante da majestade do universo e de sua beleza. 

Chloe Zhao fez de um filme de herói uma obra literária que narra a história não dos próprios feitos heroicos, mas da fraqueza dos homens que os fortaleceu, sendo, assim, possível, a sua evolução. Talvez, esteja aí o grande feito heroico da obra. Para o bem, ou para o mal, assistimos os grandes eventos trágicos que envolveram a soberania e arrogância humanas, nas quais dizimaram grande números de inocentes sobre a Terra. Com elenco grandioso e fotografia impecável, o novo longa do MCU reinicia sua cronologia e apresenta um heroísmo diferente de tudo o que já vimos. 

Acostumados à porradaria, grandes frames de ação e lutas grandiosas em planos-sequência, Eternos aposta numa narrativa bastante contemplativa e cheia de significados espirituais. Espirituais não no sentido pejorativo, mas na grande razão de ser. De ser humano, de ser homem, de ser mulher, de ser fraco, quebrado, acima do peso, negro, gay... Razões que não fazem diferença no roll das obrigações casuais do dia a dia. O importante é ser gente e ser humano de respeito e caráter, o heroísmo é consequência disso.


Eternos nos tira de uma ameaça global para revelar uma ameaça terrestre 

Ressignificando as tradições que vão desde bíblicas até o avanço da ciência, a ameaça de um Celestial na Terra põe em cheque o futuro do planeta: salvar a humanidade ou obedecer às ordens de Arish, o Juiz? A raça não-humana que está entre nós há mais de 7.000 anos é obrigada a sair das sombras e se revelar depois que percebem que os Deviantes voltaram. E aí aquele velho estiro roteirístico de reencontrar todos, reunir a equipe, ir atrás dos outros. Nessa jornada que faz parte de alguns longas sobre super-heróis encontramos falhas perceptíveis de roteiro. O filme se estende muito nessas pequenas explicações, nos fragmentos de flashbacks e até confunde alguns conceitos. 

Contudo, a grandiosidade do conjunto geral é inigualável. Thanos ameaçou todo o universo. A existência e permanência dos Celestiais ameaçam a vida do planeta Terra. Os Eternos precisam, nesse caso, fazerem uma escolha: a quem iremos salvar? Olha a referência bíblica aí novamente! Ikaris (Richard Madden), Ajak (Salma Hayek), Sersi (Gemma Chan), Duende (Lia Mc Hugh), Kingo (Kumail Nanjiani), Phastos (Bryan Tyree Henry), Thena (Angelina Jolie), Druig (Barry Keoghan), Gilgamesh (Don Lee) e Makkari (Lauren Ridloff), cada um vivendo onde escolheram ficar e seguir suas vidas, precisam se reagrupar para dar fim ao retorno dos Deviantes que são como que “demônios” com fome de carne, e, famintos, devoram os homens que estiverem em seu caminho. 


Portanto, uma ameaça, inicialmente fácil de se controlar. Sem saber como que eles retornam à habitar a Terra, eles farejam com certa consciência o local em que cada Eterno se encontra. O que assusta Sersi e Duende, em Londres, quando percebe que o Deviante que as atacou tinha poder curativo. Mas, no entanto, os Deviantes foi uma febre mal elaborada e está ali apenas como justificativa para nos entregar algumas poucas (e muito ruins) cenas de ação e, para, de fato, segurar a trama central que é sobre a humanidade e seu futuro. 


Quando o amor enfraquece, nenhum ato heroico se firma 

Mais uma vez, o amor é a linha condutora de uma história de super-herói. Assim como ele é a razão e existência das maiorias das religiões, ou seja, a seiva central de uma determinada fé e crença, Zhao o coloca também como princípio, meio e fim. Se esse amor se quebra, enfraquece e deixa de ser central dando lugar à inveja, ambição e ciúmes, como Ikaris nos revelou nas últimas cenas do longa, tudo se perde, se enfraquece e se entrega à solidão e à morte. O cinema de Chloe Zhao não é frio como Snyder e nem espalhafatoso como Waititi. Mas tem uma mistura concentrada dos dois. O frio e o calor, o gelado e o quente, as cores tristes e as cores alegres sabem exatamente onde entrar em cena. A viagem que vai desde a Babilônia, à cidade de Londres e á floresta Amazônica é uma verdadeira contemplação divina e natural. Uma Carta de Amor à Humanidade e à Natureza. 

Não há espaço para o ódio, quando as relações fraternas de amor e amizade estão em vigor. Não há gesto heroico se esse não for em nome de um sacrifício por um bem maior. Gilgamesh é o que mais nos entregou essa relação. Druig e Makkari também nos proporcionaram longas cenas contemplativas nas quais a amizade e a confiança são determinantes para o bem realizar de uma missão. Makkari é uma Eterna da língua dos sinais, e sua atriz também. O ator de Druig é Irlandês; Hayek é latina, Chan tem raízes chinesas... a representatividade foi essencial nessa história. Phastos é negro, gordo e gay. Sim. Um super-herói não bombado, nem cheio de músculos, mas tão forte quanto qualquer outro. Forte a ponto de não esconder quem é e porque é feliz sendo assim. 

Por fim, Eternos é sensível. É silencioso. Tem um pouco de drama e muito de sarcasmo. Mas sua leveza é notória, sobretudo para dar destaque à grandiosidade que ele representa. Se Vingadores foi um produto pensado para todas as gerações, desde crianças até os idosos que conheceram os heróis mais famosos do cinema em outra era, Eternos é seletivo e desconhecido. Ele é o início de tudo, até mesmo dos Vingadores. Criados em 1976 por Jack Kirby, Eternos é o reconectar dos heróis com sua verdadeira missão na Terra. Se o homem perde a sua fé, ele perde a razão de amar. Sem isso, ele falece.



Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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