01 Mar
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“ ‘Nomadland’ em sua essência, para mim, é uma peregrinação através da dor e da cura. Portanto, para todos que passaram por essa difícil e bela jornada em algum momento de suas vidas, isto é para vocês. Não dizemos adeus, dizemos: ‘Vemo-nos no final da estrada’.  Quero agradecer especialmente aos nômades por compartilharem suas histórias conosco. Compaixão é a quebra de todas as barreiras entre nós - uma ligação de coração para coração. Sua dor é minha dor; é misturado e compartilhado entre nós. É por isso que me apaixonei por fazer filmes e contar histórias”.     

[Chloé Zhao, discurso proferido pela cineasta no momento em que recebeu a premiação na 78ª edição do Globo de Ouro, 2021].   




Desde 1944, a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood é responsável por reconhecer os melhores pela crítica e pela atuação e direção de séries e filmes para TV. O Globo de Ouro abre, todos os anos a agenda de premiações sempre ocorrendo em janeiro na cidade de Los Angeles. Composta por uma banca de críticos de 87 jornalistas e outros membros da Associação, a estatueta aquece as expectativas de diretores, cineastas e atores. Em 2021, atingindo a sua 78ª edição, por conta da pandemia a cerimônia sofre duas principais alterações: de janeiro, foi adiada para o último dia de fevereiro e, o tapete vermelho teve de ser substituído pelo evento no formato virtual, no qual os premiados discursavam de suas casas. 

A edição de 2021 já começou surpreendendo o público desde a segunda quinzena de janeiro quando divulgou a lista dos concorrentes. Numa das Categorias mais aguardadas da noite (geralmente, é a última a ser premiada), para Melhor Diretor a 78ª edição indica três cineastas mulheres concorrendo ao título. Isso nunca em quase 80 anos de Globo de Ouro aconteceu. A única mulher que chegou a vencer na Categoria até então era Barbra Streisand, em 1984. Regina King, Emerald Fennell e Chloé Zhao foram indicadas como concorrentes ao lado de David Fincher (uma disputa de peso) e Aaron Sorkin (com um trabalho pela Netflix de tirar o fôlego). 

Como se isso não bastasse, os longas que cada diretora representa ainda foram nomeados para as Categorias de Melhor Filme de Drama (com exceção de Uma Noite em Miami de King) e para Melhor Roteiro Original. Além dos longas ainda levarem seus protagonistas para as respectivas Categorias de Melhor Ator e Melhor Atriz. Por fim, a noite do dia 28 de fevereiro, domingo, foi marcada por forte emoção quando Zhao leva duas estatuetas para casa. Depois de 38 anos o Globo de Ouro reconhece o potencial de uma mulher asiática, (a segunda a vencer na Categoria) fora dos muros de Hollywood, nas duas principais premiações da noite. 


Conheça “Nomadland” (Alerta de SPOILER) 

Nomadland de ChloÉ Zhao é uma imersão profunda e emocionante num mundo totalmente livre e limpo. Numa cultura totalmente viciada por longas extasiantes de heróis, universos ficcionais e cenas sensuais e de sexo explícito, o filme é um respiro cultural e libertador que nos lança para um novo mundo. Zhao também assina o roteiro (que também concorreu ao Globo de Ouro, mas perdeu para Aaron Sorkin em Os 7 de Chicago, da Netflix) e o filme nos presenteia com a impecável atuação de Frances McDormand (a atriz concorreu pela estatueta ao lado de Viola Davis em A Voz Suprema do Blues, da Netflix; Andra Day em Estados Unidos vs Billie Holiday ; Carey Mulligan por Promising Young Woman; e, Vanessa Kirby em Pieces of a Woman) que perdeu a estatueta pra Andra Day (ficamos surpresos, inclusive). Vivendo a nômade Fern, McDormand coleciona um Oscar de Melhor Atriz por Tres Anúncios Para Um Crime, 2018 de Martin McDonagh. 

O roteiro apresenta a história de uma era maltratada pela crise financeira de 2008 levando as pessoas a tentarem uma nova forma de vida construindo vossos lares sobre as rodas percorrendo os desertos estadunidenses. Fern, a protagonista, nos faz mergulhar num enredo impregnado de separações que vão desde um luto difícil até separações relacionais de ordem familiar. Com a recente morte de seu marido a fábrica onde Fern trabalha perde expediente, decreta falência e seu encerramento das atividades comerciais faz com que a cidade toda “deixe de existir”. Uma baita crise! Luto, emoções, amizades, contato com a natureza e consciência humano-ecológica são algumas das lições que Zhao consegue transpor para as telas. 

Fern e sua van em “peregrinação” reúne um grupo de amizades e lições de vida que nos inserem numa convivência que foge totalmente dos padrões de vida ditos normais com uma casa, família, casa na garagem e uma rotina presa por paredes distante da terra. Não! A terra torna-se humana e o homem torna-se terreno no padrão de vida que Fern experimenta. A protagonista não está em busca apenas de uma sobrevivência material e física, mas de uma superação da dor, tristeza e solidão pela perda que sofre. A vida nômade quando interpretada pelo viés da solidão e do desprendimento empobrece a cultura original de todo um povo. Fern nos apresenta uma nova janela e nos oferece uma reflexão que vai além da sobrevivência e nos abre à tristeza superada pela alegria de simplesmente viver sem cargas, pesos, pedras, preocupações efêmeras sobre os ombros. 


Nomadland pode ser grande aposta para o Oscar 2021

Nomadland foi sucesso no final de 2020 sendo premiado em setembro na edição do Festival de Veneza como Melhor Filme do Ano. Essa premiação é muito significativa, pois levando em conta que Todd Philips também levou a mesma menção um ano antes por Coringa, o que rendeu indicações e premiações ao Oscar. Obviamente, o trabalho de Zhao não iria passar despercebido do Globo de Ouro, ao colecionar mais uma estátua de Melhor Filme na noite de ontem, percebemos o quão grandioso é o trabalho da cineasta. Vale lembrar também, que, além de dirigir, produzir e assinar o roteiro, Zhao ainda influenciou na fotografia e enquadramento das cenas elevando, assim, sua magnitude por trás das câmeras. 

Um outro grande destaque vai para a fotografia impecável de Joshua Richards com cenas profundas e de uma imensidão incomparável. Com todo o toque de Chloé Zhao, o produto final nos entrega respiração, horizontes infinitos, experiências transcendentais que vão além do que a tela pode filmar para nós. 

Nomadland estreará no Brasil dia 15 de abril e é uma grande aposta para o Oscar 2021. Confira o trailer aqui

Das quatro indicações no Globo de Ouro, o longa leva duas estatuetas para casa. Chloé Zhao também dirigiu Eternos da Marvel Studios que está com sua produção concluída desde meados de 2020, mas, por conta da pandemia o longa teve seu lançamento adiado por duas vezes. Eternos está com data prevista para novembro de 2021. 




“Eu tenho profundas e fortes raízes no mangá, e trouxe um pouco disso para Eternos. E eu mal posso esperar para trazer mais do casamento entre Ocidente e Oriente. Quão mais longe e maior eu posso ir depois de Vingadores: Ultimato? Porque eu não só estou fazendo o filme como diretora, mas também como fã. Eu queria que isso refletisse o mundo em que vivemos. Mas eu também queria juntar um elenco que parecesse como um grupo de desajustados. Eu não queria os atletas. Eu quero que você saia do filme não pensando ‘Essa pessoa é tal etnia, essa pessoa é tal nacionalidade’. Não, eu quero que você saia pensando: ‘Essa é uma família’” 

(Chloé Zhao – em entrevista ao THR sobre “Eternos”)




Por Dione Afonso 

Jornalismo PUC-Minas

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