02 Sep
02Sep

“Tudo era pra terminar com cicatriz. Eu havia escolhido essa palavra para encerrar esse ciclo. Só que eu precisava que tudo terminasse bem. Por mais que seja uma história linda e emocionante, muitos morreram, muitos perderem nesse percurso, então, tudo precisava terminar bem, tudo terminou bem”.  

[J. K. Rowling, 2011]. 



Completamos um ano de cicatriz. Nossa! Parece que foi ontem que começamos. 01 de setembro de 2021 e o Expresso de Hogwarts mais uma vez, às 11 horas da manhã em ponto, parte para mais uma aventura. Mais um ano pela frente. Gosto de pensar nessa imagem que a Plataforma 9 ¾ nos permite pensar: é mais um início de um ciclo do que algo que se encerra aqui. No primeiro volume da obra, Harry Potter e a Pedra Filosofal, Harry embarca na plataforma em busca de um novo caminho. Um mundo novo o espera pela frente. 

Assim é e sempre será o Cicatriz: é o que está pela frente que nos importa e nos serve. O que passou, passou, fez história e nos ensinou, nos marcou, nos questionou, as vezes até nos magoou. Mas, passou. Agora, Hogwarts se desponta entre as montanhas nos oferecendo novas histórias, novos desafios. Novas amizades... Novas narrativas... 


Narrativas Jornalísticas: o antigo tão novo jornalismo 

Quando li a obra Radical chique e o Novo Jornalismo de Tom Wolfe eu descobri onde estava o meu interesse no jornalismo: “quer dizer então que com esse tal de Novo Jornalismo dava para misturar tudo, contar as histórias jornalísticas sem reduzir a complexidade do mundo ao tatibitate e, acima de tudo, salpicando o enredo com técnicas que os teóricos reconheciam como privilégio dos textos de ficção?”... Neste posfácio de Joaquim Ferreira dos Santos encontramos uma síntese do que esse movimento “novo?” queria nos provocar a fazer. 

E assim, com a obra de Wolf e depois buscando os contemporâneos da escrita como Daniela Arbex, Eliane Brum, Felipe Pena e Caco Barcelos (esses são os que já li até então), fui percebendo que é preciso humanizar cada dia mais o nosso jeito de fazer jornalismo. Compreendemos a exigência e a necessidade dos dados, da notícia em primeira mão, dos números etc... até mesmo, entendemos a urgência e a eficácia do lide e da pirâmide invertida. O Jornalismo Narrativo é um ramificar e um amplificar de todas essas noções que um jornalismo tradicional e eficaz realiza com competência. 

O radical chique já foi radical lá naquele tempo de 1970, 1980, 1990. Hoje o radical é não fazer esse tipo de reportagem em que se humaniza a notícia. Wolfe, em determinado momento cita o que chamamos de furo jornalístico dizendo que “todo mundo conhece essa forma de competição entre repórteres de jornal, a competição do furo jornalístico... tudo para ver quem conseguia primeiro uma matéria e escrevia mais depressa. Quanto mais importante a matéria – isto é, quanto mais ela tivesse a ver com o poder ou com catástrofes –, melhor” (Wolfe, 2005, p. 13). Hoje, Felipe Pena resgata o conceito e a prática das narrativas no jornalismo expressando-se no que ele chama de estrela de sete pontas.


“Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados” (Millôr Fernandes)

É ir além da redação; é romper com as estruturas de assessoria; é não se preocupar com o prédio desabando, mas com a vida humana que se feriu no processo. É não contabilizar o número de mortos pela pandemia da covid-19, mas é se preocupar em contar a história de quem não tem nem um teto para cumprir a norma #FiqueEmCasa. E, como afirma Felipe Pena, essa é “uma alternativa de fazer jornalismo. Não se trata apenas de fugir das amarras da redação ou de exercitar a veia literária em um livro-reportagem” (Pena, 2006, p. 13). Jornalismo Narrativo (ou Literário) é mais que um texto bonito. Ou seja, não é colocar emoção numa história e usar de verbos esplendorosos e belos, não. Esse jornalismo, as vezes complexo, é trazer às telas o que nenhum outro consegue fazer com liberdade: a humanidade sem maquiagens. 

O Cicatriz potencializa os recursos que já existem no jornalismo atual e de até então. Os ditos da corrente narrativa do jornalismo não jogam no lixo tudo o que aprenderam com a faculdade que incentiva o jornalismo tradicional (e quadrado) que ensinam, nós “potencializamos todos esses recursos do jornalismo”. O jornalista literário não ignora o que aprendeu na redação diária de um jornal. Muito pelo contrário, é ali que ele aprende as técnicas de apuração, os bons e velhos princípios de uma boa redação, a abordagem ética... Se existe o lead desde então, nós, do jornalismo narrativo “rompemos com as correntes burocráticas do lead”; se há as definições e os limites do acontecimento cotidiano, as fontes ditas oficiais, nós “evitamos esses definidores primários” e vamos atrás da vida que se aproxima de nós e que não foi ouvida; se há a cobrança temporal, “nós não nos enjaulamos no deadline”, não é a redação que determina o tamanho da história de alguém; há as famosas “pautas quentes” e o “furo jornalístico”, para nós há “o compromisso com o exercer plenamente a cidadania”; a periodicidade e a atualidade é outro ponto, nós ousamos e nos aventuramos a “ultrapassar os limites dos acontecimentos”, sem nos preocupar com a novidade, com o desejo de “sair na frente”; e por fim, e talvez seja a crítica que mais pega em nosso pé é a famosa frase: “eu não curto muito o jornalismo literário porque acho ele muito ficcioso se esquecendo de lidar com o fato real da vida cotidiana de cada um. Como afirmamos, o jornalismo narrativo (ou literário) potencializa todas as ferramentas, desde o jornalismo tradicional e as técnicas de comunicação e também as ferramentas da linguagem e da literatura. Não estamos contando historinhas, nós também “garantimos a perenidade e profundidade” dos fatos. O jornalismo literário não é sinônimo de efêmero ou superficial. O objetivo é a permanência. 


A nossa plataforma... 

Uma vez me perguntaram porque que eu me interessei por uma área jornalística de “pouco ibope” e considerada irrelevante para a maioria da população. E eu respondi: “é justamente por discordar desse ponto de vista que eu me interesso pelo jornalismo de entretenimento e cultural”. Eu olho para os gêmeos Weasley da saga Harry Potter, e uma cena, em específico, responde claramente essa questão: 

“O Beco Diagonal mudara. Os arranjos coloridos e brilhantes nas vitrines exibindo livros de feitiço, ingredientes e caldeirões para poções estavam ocultos por grandes cartazes do Ministério da Magia. Mas, encaixada entre essas fachadas sem graça, cobertas por cartazes, as vitrines de Fred e Jorge chamavam a atenção como uma queima de fogos e, segundo Hermione, essa magia é fantástica” 

(HP e o Enigma do Príncipe, 2005, p. 77, 81 e 82).

No filme, Harry se questionava, “como que, no meio de todo o mal que está acontecendo a Gemialidades Weasley faz tanto sucesso?”, e a resposta de Hermione é inspiradora: “talvez, no meio de tanta maldade, as pessoas estejam sempre em busca de um motivo pra sorrir”. 

Então, se o meu trabalho jornalístico não for pra fazer as pessoas sorrirem e se emocionarem, para mim ele não terá valor. No meio de uma guerra, os irmãos Weasley só queriam dar para as pessoas um motivo para sorrir e se divertirem. Logo, no meio de uma guerra jornalística em busca da notícia em primeira mão protagonizada por profissionais do jornalismo comunicando mortes, assassinatos, guerra e sangue, eu quero ser aquele que os fará voltar a sorrir! Cicatrizar... Talvez o que faça as pessoas sorrirem não dê tanto ibope como o que as fazem sofrer e chorar... Nós, não estamos atrás do ibope, mas de sorrisos e se a alegria, se a história de vida não for capaz de nos fazer sorrir, não acredito que a maldade, que as mortes, injustiças, discursos de ódio farão! 

Se o mundo está carente de amor, nosso objetivo é narrar histórias encharcadas de experiências de vida emaranhadas de amor. É real. É a nossa história. É o que vivemos e é o que nossa gente espera encontrar quando buscam sentido de vida. Assim, “como a fênix, que pegam fogo quando chega a hora de morrer e renascem das cinzas...” (JKR., 2001, p. 140), ressurge cicatriz. Um perfil de narrativas jornalísticas inspiradas na literatura dos livros e na literatura das vidas do dia a dia. Essa é a nossa mais poderosa magia.




Por Dione Afonso  |  Jornalismo PUC Minas

01 de setembro de 2021

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