10 Aug
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O Esquadrão Suicida do diretor James Gunn aclamado pela franquia Guardiões da Galáxia, da Marvel, chegou desbancando bilheterias, superando número de audiência e ainda agradando 100% das críticas sobre cinema. O que faz o longa ser tão elogiado assim? Qual o diferencial de Gunn? O que o filme representa para o universo de heróis? Por que a reunião de vilões tão desproporcionais representa tanto o gosto do público? 

Classificar se um filme é bom ou ruim, reduzi-lo a uma nota de gosto e de audiência é muito pouco. Pode até não ser um fato desmerecedor da obra, no entanto, oculta o principal papel da arte que é nos representar, fazer-nos pensar e nos ajudar em nossas buscas. Desde Coringa (2019, Todd Philipps), depois com Aves de Rapina - Arlequina e sua emancipação fantabulosa (2020, Cathy Yan), e em 2021 com Loki (Kate Herron) e O Esquadrão Suicida (James Gunn), vemos que a representação que a arte suscita são de histórias que subvertem a ordem social e moral, no qual, os holofotes são desviados dos herois (pessoas que aprendemos a reconhecer como boas e íntegras) e voltados para os vilões (pessoas que a história nos ensinou a odiar e classificar como maldosas e indignas de confiança). Se a arte é reflexo do dia a dia, que rotina essas reproduções estão refletindo diante do que vivemos?

Antes de entrar, de fato, no centro desse artigo, é necessário reconhecer que o trabalho de Gunn, livre e criativo, é uma das melhores adaptações direta dos quadrinhos. Reunir um time de vilões tão obscenos e horripilantes para derrubar um mal maior geralmente não é algo tão simples de se realizar. No entanto, trazer uma narrativa em que o mal é usado para detonar o mal provoca uma narrativa subversiva do que pode ser a verdade, a bondade, a ordem. Isso resulta numa conclusão de que não se trata de ser bom ou mau, mas que você seja capaz de salvar alguém, independente de suas motivações. (atenção, há spoilers a partir daqui).   


O Esquadrão Suicida: vilões ou heróis? 

O novo (antigo) time de vilões da DC unem-se mais uma vez a comando de Amanda Waller (Viola Davis) para um trabalho no qual um vilão maior ameaça uma cidade. Os já conhecidos Arlequina (Margot Robbie), Sanguinário (Idris Elba), Pacificador (John Cena) e o Rick Flag (Steve Agee) voltam (com exceção de Sanguinário), para a franquia que reinicia a história dos vilões. Como de praxe, Waller faz uma oferta aos prisioneiros mantidos em segurança máxima e os confia à liderança de Sanguinário. O Esquadrão Suicida insere alguns elementos de família, tanto para ameaças, quanto para humanizar a personalidade, que é o que acontece com a Caça Ratos 2 (Daniela Melchior) e com o Homem Bolinha (Abner Krill). Ambos são apresentados como pessoas que sofreram no passado. A Caça Ratos 2 teve uma infância sofrida ao lado do pai. Pobres, mendigos, que faziam de tudo para sobreviver nas ruas congelantes da cidade. O Homem Bolinha, explorado egoisticamente pelos experimentos científicos da mãe, tornou-se uma desonra para ela. Visto como o filho fraco, insuficiente e desprezível, O Homem Bolinha, é resultado de um cruel experimento o que o levou matar a própria mãe. 

Pacificador, Arlequina, Rick Flag, Tubarão Rei (Silvester Stalone), Caça Ratos 2 e Sanguinário reúnem-se em busca do Pensador (Peter Capaldi), aparentemente o vilão entre os vilões da história. A missão consiste em destruir tudo o que se refere ao projeto Estrela do Mar. A história é confusa, sem precedentes, mas não é muito o que importa aqui e nem o que o público busca. Sangue, explosões, braços arrancados, homens dilacerados ao meio, mais sangue, mortes inesperadas, mortes a cada minuto, gente morrendo a todo instante, o prazer em ver sangue escorrendo, a alegria de matar das formas mais improváveis é o que fascina o público em todo o longa. 


Inversão de papeis e o problema da moral 

Contudo, essa narrativa que compõe um dos melhores trabalhos do gênero em 2021 apresenta uma perigosa inversão da ordem moral e do que significa ser bom e ser a verdade. Voltando, rapidamente, ao Esquadrão de 2016 de David Ayer, que ainda fazia parte do UEDC, o Batman de Ben Affleck numa cena pós-créditos pede à Waller para desativar o programa Esquadão Suicida que os heróis, de fato, da história, cuidariam disso dali pra frente. Depois disso vimos a ascensão de Coringa com Joaquin Phoenix no papel e a história das Aves de Rapina que consagra Arlequina. Histórias que acendem o holofote em personagens carimbados como maldosos, vilões, de espírito traiçoeiro, desprovidos de boa índole, mas que são inseridos num contexto de sofrimento e de desumanidade que tenta justificar suas más ações. 

Com uma mistura de comédia, O Esquadrão Suicida, diverte. Arranca gargalhadas, traz o mínimo de falas e de roteiro, mas sabe entreter. E é isso. Quanto à reflexão que ele deixa, e ao conceito de vilão que já é impregnado em nossas mentes, o time desses vilões mais uma vez tenta emplacar a história de que uma pessoa só se torna vilão, porque ela não teve a chance de se provar como herói. Ter um coração bom, diante dessa narrativa não significa ser alguém capaz de fazer o bem. E ser uma pessoa de espírito maldoso não simboliza que ela não seja capaz de matar a fome de alguém prestes a morrer. 

Esse tipo de narrativa continua muito presente em outros trabalhos televisivos que vão, de certa forma, consagrando e formando no público, um novo conceito (se é correto ou não,...) sobre o que é ser bom e o que é fazer o bem; o que é verdadeiro e o que é maldade. Precisamos, sim, reconhecer um bom trabalho, e o longa de James Gunn é perfeito, mas precisamos refletir mais fundo o tipo de narrativa que molda o nosso conhecimento, talvez essa narrativa que nos é apresentada não seja a mais acertada e a mais digna de se conviver como boas pessoas.




Por Dione Afonso  |  Jornalismo PUC Minas

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