07 Jan
07Jan

O cinema nacional ganhou, em 2023 obras intocáveis que vão, desde ao documentário sério, factual e pertinente como Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho, até a discussões vulneráveis e delicadas como Pedágio de Carolina Markowicz. Nesse meio, a comédia e a música também tiveram seus auges: Mussum, o Filmis (Sílvio Guindane) e Minha Irmã e Eu (Susana Garcia) são os destaques que garantiram boas gargalhadas; enquanto que, do lado da música, Mamonas Assassinas, o Impossível Não Existe (Edson Spinello) e Nosso Sonho (Eduardo Albergaria) deram conta do recado e nos fizeram emocionar com histórias de jovens sonhadores que não desanimaram e levaram sucessos do Brasil aos quatro cantos do mundo. 

O filme sobre a carreira da dupla do funk brasileiro Claudinho e Buchecha, Nosso Sonho, chega a nós 20 anos depois de todo o sucesso da dupla. Claudio Rodrigues de Mattos, o Claudinho, morreu em julho de 2002 e, o filme de Eduardo Albergaria sabe tratar com respeito e sensibilidade, tanto o luto, quanto a amizade que os jovens cariocas tinham um com o outro. O roteiro, muito, muito simples e que é capaz de tirar lágrimas sinceras de quem assiste ao longa. Albergaria opta em trazer para as telas uma amizade que é formada pela hiperatividade de um com o medo e a timidez do outro. Com a inteligência de um e os sonhos mirabolantes de outro e assim foi, Claudinho e Buchecha para o Brasil e para o mundo. 


Nosso Sonho é tão nosso como de muitos... 

Quem dá vida à dupla é Juan Paiva e Lucas Penteado. Paiva é o Buchecha, e sua performance é forte e de uma presença que impacta e marca. Penteado é aquele meninão, solto, livre, de bom coração (e de língua presa) e que não sossega enquanto não vê todo mundo bem e feliz e livre. Juan Paiva é quem narra a história e a perspectiva que ele nos passa é de um jovem amigo que tenta recuperar o tempo do passado que não pode se perder na história. Mais uma vez, o diretor não decide recontar somente a história do sucesso e dos palcos, mas ele quer falar de amizade e dar espaço para que este amigo possa manifestar o que sente e o que está preso dentro dele. O Buchecha, da vida real, sofreu muito com um luto duradouro e difícil de ser superado, e o Buchecha do filme soube colocar isso em sua voz, em seus gestos, em suas escolhas... 

Coreografia e trilha sonora são um primor. Claudinho, aquele garoto sonhador, não tinha grandes sonhos, na verdade, ele sonhou pouco daquilo tudo que conquistou, mas o pouco sonhado é realizado com sinceridade e amor. O personagem mostra o quanto ama o que faz; ama aqueles que estão perto dele; ama a música; ama a família; ama tudo o que vive. Uma das cenas marcantes mostra Claudinho enterrando um cachorro que foi atropelado, por acidente, pela van da equipe de shows. Uma sensibilidade muito próxima de quem é livre e de quem acredita que todos sempre têm uma chance para recomeçar. Temos a perspectiva no filme, partindo do ponto de vista de seu melhor amigo, o Buchecha. E isso não se torna um incômodo para nós, pelo contrário, estamos diante de uma Carta de Amizade que um Melhor Amigo poderia redigir para o outro. 

Albergaria assina o roteiro em parceria com Fernando Velasco, Mauricio Lissovsky e Daniel Dias, e esses roteiristas apostam na sensibilidade e na intimidade da vida da dupla com suas famílias. Essa escolha soa como um trunfo nas mãos, já que seus maiores hits ainda são músicas cujo as letras ainda soam de cor na memória de muitos de nós. Portanto, quando paramos para pensar no título do filme, Nosso Sonho, percebe-se que os sonhos ali são de todos nós. Não é somente o sonho do Claudinho de ter seu carro, ou do Bochecha, de ter um futuro seguro, já que “quem tem talento não tem patrão”. Mas é o sonho da dupla de se tornarem famosos; e é o sonho de cada um de nós de conquistar algo nas nossas vidas. 


Muito além da nostalgia 

A decisão de não focar na tragédia, no luto, mas sim na saudade, no triunfo e no perdão (sobretudo de Bochecha com seu pai) é uma decisão narrativa bastante amadurecida. O filme fica menos nostálgico e com aquele caráter de homenagem e se torna algo mais emocionante e com o caráter da lembrança, ou seja, algo que, vez ou outra, vamos querer assistir de novo. Um outro sentimento é o de profecia: os hits, “nossa história vai virar cinema” e “nosso sonho não vai terminar”, nunca fizeram tanto sentido como agora, 20 anos depois, por causa de uma dupla que foi top hit nas paradas de sucesso na era do funk 2000. De fato, no Brasil, a história do funk não existe se ela não passar por Claudinho e Buchecha! 

A cinebiografia aqui consegue fugir um pouco do convencional: mesmo donos de grande sucesso, a dupla não possui uma vasta discografia, mas, o diretor, ao focar em relações familiares; dificuldades de trabalho; problemas pessoais... ele consegue dar uma virada e incluir com maestria a ascensão e solidificação do sucesso da carreira musical. É impressionante como que a alta carga de drama não incomoda e não ofusca o lado da alegria e sorrisos que o longa precisava de ter. Isso, é mérito, sobretudo dos atores: Penteado e Paiva sabem dosar isso muito bem e incorporaram a personalidade de cada um da dupla de MCs. 

Quando Claudinho sofre o acidente fatal, ele tinha 26 anos. Um fato que levanta curiosidade é que a personalidade de Claudinho parecia nos preparar, (e preparar também seu melhor amigo, Buchecha) para o que estava para acontecer. Na narração, Buchecha afirma que no último show da dupla, Claudinho deixa-o sozinho no palco, desce e vai pro meio do público e canta lá de baixo. Depois disso, nunca mais os dois trocaram uma palavra se quer; abraçaram, ou cantaram juntos. Mas, a história dá a entender que estávamos esperando por isso. Um ponto da história muito tenso, e muito bem representado nas telonas. E, de fato, este “nosso sonho não terminou e não vai terminar...”




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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