Nordestino, nascido na Terra do Sol, Karim Aïnouz se destaca pela sua particularidade quando está por trás das lentes da câmera. Começando sua carreira como co-roteirista, aos poucos ele vai construindo sua marca dentro do audiovisual brasileiro. Seus trabalhos são sempre marcados pela multiplicidade de cores. Aïnouz não conhece o mínimo detalhe e nem os tons pasteis ou mornos. Ele dirige e sonha, escreve e narra com muita vibração, cores fortes e quentes, próprias de um brasileiro originário, sobretudo da Terra do Sol. Entre seus trabalhos, os que marcam sua trajetória são Madame Satã [2002, ambientado na década de 1930, nas favelas do RJ]; O Céu de Suely [2006, ambientado em Iguatu, interior do Ceará]; Praia do Futuro [2014, filmado no Brasil, em Fortaleza, capital do Ceará e na Alemanha]; A Vida Invisível [2019, ambientado na década de 1950, no RJ].
Aïnouz, surge com o seu mais recente trabalho: Motel Destino. Um detalhe significativo na filmografia deste cineasta é o imprevisível. Que é diferente de plot twist. O roteiro e a narrativa conseguem nos tirar de cena; artimanhas eficazes em nos deixar surpresos e, as vezes até atônitos com o que estamos vendo. Algo que em Hollywood não costuma ser muito aceitável. As vezes precisamos de quem tenha a coragem de “tirar o filme daquela caixinha” e mostrar que é possível inverter a ordem das coisas. O protagonista Heraldo [Iago Xavier] só quer sobreviver. Fugir do nordeste e se esconder em São Paulo, onde, talvez, esteja seu vivendo seu pai. Marcado pela pobreza, criminalidade, sexualidade desregulada e pelos oportunismos de quem usa o poder para subjugar os fracos, Motel Destino tem muito mais pra contar do que o que vimos.
O estabelecimento que dá nome ao filme é apenas mais uma daquelas construções que encontramos aos montes nas rodovias brasileiras. Heraldo, recentemente contratado por uma agiota resolveu se divertir com um sexo descompromissado no motel. Ao amanhecer percebe que foi abandonado e largado para trás com uma grande conta a pagar. Após não ter comparecido ao compromisso, e, como resultado o fracasso do roubo, Heraldo refugia-se no motel, onde foi acolhido pela esposa do dono, Dayana [Nataly Rocha]. Elias [Fábio Assunção], proprietário do estabelecimento parece agradar de Heraldo e o emprega. Não demora muito para que Heraldo e Dayana começam a trair Elias. Mas o que o cineasta está querendo nos contar não é suportável entre as quatro paredes de um estabelecimento.
Uma das melhores cenas são as que dão vida ao corredor central que todo motel possui. É sujo, nojento, onde ouve-se todos os barulhos sensuais e sexuais dos clientes em seus quartos. Sabe quando um objeto, ou uma casa, ou um estabelecimento ganham personalidades? O motel começa a se tornar um personagem significativo para que a trama se estabeleça e continue progredindo. Dificilmente há, no filme, uma cena em que não se ouve a campainha, o ranger de um carro, uma buzina, um gato miando, um burro grunhando aos fundos. Aïnouz faz questão de nos recordar que a vida não se resume àquele breve prazer de uma, duas horas, no máximo. Há muito mais acontecendo lá fora, ao redor. Os lençóis de um vermelho sensual pendurados no varal nos quintais do motel são a concretização deste fato.
Heraldo deixa de ser aquele jovem inocente e passa a ser um jovem perdido e sonhador. Entre uma transa e outra com Dayana, ele expressa sua solidão e tristeza por estar perdendo a vida lá fora porque precisa se esconder naquele corredor. Enquanto uns “aproveitam” os prazeres da vida nos quartos, ele “perde” o prazer da própria vida de poder ver o sol brilhar, andar na areia da praia, viajar, conhecer outras mulheres...
Uma vez ou outra, Heraldo sente-se “perseguido” toda vez que um dos capangas que querem sua cabeça aparecem no motel para se divertirem. O longa é um drama sem muitas nuances e de narrativa única. Não há distrações. Perde-se um pouco no segundo ato, em que as coisas não ficam muito bem estabelecidas, mas, percebe-se que o trivial do dia a dia, a simplicidade corriqueira que um dia nos oferta estão ali sem enfeites e longe do neon do corredor do estabelecimento.
Inevitavelmente Motel Destino será mais aquele filme esquecível dado seu pouco impacto. Coloca-lo na sua lista de filmes assistidos é relevante para adentrar um pouco mais numa filmografia que é um verdadeiro expoente da Sétima Arte brasileira. O ato final do longa é cheio de tensão e, claro, sem ter claro o destino de tudo, o filme nos surpreende. A explosão de cores faz seu paralelo com a falta de vergonha da nudez de Xavier e de Rocha, correndo na areia dos campos de energia eólica afim de não serem mortos a tiros. É um ato final grandioso e que nos enche de satisfação pela coragem de tal cena bem movimentada, filmada e muito bem equilibrada.
Por Dione Afonso | Jornalista