A Paris dos anos de 1970 é a Cidade do brilho e alegria das discotecas; a ascensão da música erudita; a TV ganha força e o mundo fica menos escondido; surgem as primeiras lutas em prol da defesa do meio ambiente; surgimento do design arrojado que dá novas proporções à moda e arquitetura. Maria Callas [1923-1977] encontrou nesta década o palco perfeito para o deslanchar de sua carreira conquistando públicos dentro e fora do país. Nascida novaiorquina, filha de imigrantes gregos, os críticos elogiavam sua técnica e sua voz de grande alcance e suas interpretações de profunda análise psicológica, características que a levaram a ser saudada como La Divina. No século XX, nenhum outro nome artístico no gênero musical se destaca ao lado do de Maria Callas. Ela torna-se ícone da música erudita da ópera.Em 1947, na Arena de Verona, na Itália, a cantora faz sua estreia com a ópera La Gioconda, de Ponchielli. Cantou em público pela última vez a 11 de novembro de 1974 em Sapporo, no Japão. Vítima de um ataque cardíaco, Callas faleceu em 16 de setembro de 1977, aos 53 anos, em seu apartamento em Paris.
Pablo Larraín, cineasta chileno, com o filme Maria, ele complementa a sua trilogia de longas sobre grandes mulheres do mundo. Começando com o filme Jackie [2016], com Natalie Portman interpretando Jackie Kennedy, a primeira-dama do presidente dos EUA, John Kennedy. O filme retrata os próximos quatro dias de Jackie vivendo seu luto, e Spencer [2021], estrelado por Kristen Stewart no papel da Princesa Diana. O filme retrata também os últimos dias de Diana até o momento em que a morte a encontra. Maria, traz Angelina Jolie na pele da cantora de ópera e tem uma temporalidade de uma semana. O filme retrata os últimos anos de Callas na Paris dos anos 1970. Revela como ela lida com a doença, com a viuvez e com a ausência dos palcos e sua voz enfraquecida.
Há uma beleza nessa trilogia fílmica de Larrain: Jackie, Spencer e Maria não são simplesmente mulheres que sofreram os últimos dias de suas vidas. Há nelas um retrato que as unifica: o poder, a coragem e a elegância. Enquanto que a primeira entrega-se ao mundo da política e o deixa entrar na sua vida sem pedir permissão, já que o título de primeira-dama geralmente não é algo pedido, mas que cai nos ombros; a segunda, encara a política como alheia aos seus costumes e estilo de vida. Já a terceira enxerga a política de maneira distante e vê a arte como arma poderosa para expressar o que sente e gritar o que pensa. Jolie é categórica quando nos apresenta uma Callas debilitada, perdida e meio confusa seja pelos remédios ingeridos em demasia, ou seja, pelo descarte social após perder seu talento vocal.
Outro ponto fulcral nessa narrativa é também o fato de, mais poder que uma mulher possa ter, ela ainda se sente presa, seja em relacionamentos abusivos, ou seja no poderio machista que a sociedade carrega. Estamos na década de 1970, a crise do petróleo e a economia enfrentam problemas sérios. A política começa a encarar rebeliões partidárias que enfraquece a voz do governante e começa a instaurar um forte poder democrático advindo do povo. Quando Callas conhece o inconveniente galanteados bilionário Aristóteles Onassis [Haluk Bilginer], sentimos este poder nojento e cruel que acaba colocando amarras em pulsos de mulheres que tentam não ceder a uma vida de marionetes nas mãos deles. Quando o jornalista Mandrax [Kodi Smit-McPhee] questiona porque ela não se casou com Onassis, ela afirma que ele percebeu que não seria fácil controla-la. Que o dinheiro dele não era mais forte que a vontade dela se viver livre.
Ao contrário de Jackie e Spencer, Maria Callas é uma figura pública com maior alcance. Artista famosa em toda a Europa e fora dela, Callas representa também como que pode ser a vida de uma ex-famosa por trás das cortinas dos teatros e dos palcos. Questionada num restaurante por um fã que não teve a chance de assistir a um de seus shows, a feição da atriz Jolie, se transforma e uma Callas que até então estava sorrindo no filme até nesta cena, agora ganha um rosto de pavor, raiva e de angústia tentando explicar ao senhor que ela adoeceu e que isso a impossibilitou de se apresentar. Callas é a personificação de outras tantas pessoas que sentem dificuldades de acolher a doença e as limitações que a vida vai nos apresentando. Mesmo não podendo cantar, ela se força para ouvir sua voz uma última vez na mesma potência de seus áureos tempos de fama.
A atuação de Anjelina Jolie, sem dúvidas é poderosa e uma forte candidata para esta temporada de premiações. Indicada na Categoria de Melhor Atriz em Filme de Drama no Globo de Ouro, ela perdeu a estatueta para a atriz brasileira Fernanda Torres por sua atuação em Ainda Estou Aqui. A próxima edição do Critics Choice que aconteceria no último dia 12 de janeiro, foi adiado para semana que vem, dia 26 de janeiro, por conta dos incêndios que assolaram Los Angeles e outras regiões da Califórnia. Nesta 30º Edição Jolie concorre na Categoria de Melhor Atriz. Suas mais fortes concorrentes talvez sejam Demi Moore, por A Substância e Cynthia Erivo por Wicked. As possibilidades de sua indicação para o BAFTA e para o Oscar também são enormes.
A cena final é um soco no nosso estômago e para aqueles que se apaixonaram pela música lírica, soprana e por uma boa apresentação de ópera, prepare as lágrimas porque elas vão rolar. Da sala central de sua casa, olhando pela janela, Callas entoa sua última música antes de cair no chão e sofrer um ataque cardíaco. Seus fieis amigos, escudeiros, mordomos e companheiros, Bruna [Alba Rohrwacher] e Ferruccio [Pierfrancesco Favino] assistem, diane de seus olhos a uma última vez que um pássaro magnífico solta o seu canto para toda a cidade parisiense através de sua janela. Pablo Larraín nos presenteia com uma história trágica, mas, de certa forma ele é muito sincero com uma presença feminina ativa que fez de sua vida seu palco e sua história. Maria Callas, Jackie e Spencer nos ensinam algo muito poderoso: vivam! Mas, vivam sem se deixar levar pelos medos, pela dor e pelas feridas que a vida e as pessoas nos fazem, isso, se nos controlar, pode dar fim aos nossos sonhos.
Por Dione Afonso | Jornalista