09 Mar
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“Magnatas do Crime” é da mente criadora de Guy Ritchie e chegou a nós num longa-metragem em 2019. A história acompanha Pearson (Matthew McConaughey), um traficante com diploma em Oxford que usa de suas habilidades para construiu um império bilionário de produção, apuração e distribuição de maconha. Entre uma transação e outra, uma venda e outra, Pearson vê seu negócio comprometido quando o produto chega em mãos duvidosas e as chantagens, uma lista de assassinatos e ameaças começam a fazer parte de seu mundo. Algo que ele tentou manter distante desde sempre. 

Agora, 25 anos depois, Ritchie decide revisitar seu universo numa nova linguagem: a série que é um derivado da obra de 2019. Mesmo funcionando de forma independente, filme e série estão dentro da mesma narrativa, mesmo universo. Agora os protagonistas são Eddie Horniman (Theo James) e Susie Glass (Kaya Scodelario). Ele, ex-capitão do exército, retorna ao império do pai após o falecimento e se torna Duque de toda a fortuna da família. Ela, uma empresária que mantém e administra o mesmo negócio de Pearson no porão da mansão Horniman. Detalhe: os filhos Horniman desconhecem o negócio que o pai e a senhorita Glass mantinham na mansão. Agora, a narrativa de Ritchie consiste em fazer com que o jovem duque se encante pelo negócio e pela fortuna. Será que funcionou? 


A marca registrada de Guy Ritchie 

O universo de Ritchie é imenso. Inegavelmente este artista tem muito o que contar sobre esta história. É incrível e até mesmo, saboroso, sair de uma experiência do audiovisual reconhecendo que aquilo ali pode ir muito mais longe. Magnatas do Crime é assim! A trama é rica, poderosa e gigantesca! Pode nos levar muito, mas muito longe. O potencial em ver a expansão – do negócio escondido e da obra televisiva – é algo libertador e esperamos que se concretize em novas narrativas. Reunindo legado, família, autodescoberta, política aristocrata, corrupção governamental e ambição humana, a série alimenta um paradoxo magistral quando nos apresenta a riqueza advinda por vias anti-morais, ao mesmo tempo que estas vias nos são apetitosas e, talvez, livres de tal julgamento. 

Quando Eddie Horniman deixa seu trabalho e retorna à mansão, situada nas redondezas rurais, surpreende-se que todo o trabalho dos pais se sustentava num império irregular, mas próspero. Horniman, como se não bastasse, ter que lidar com essa descoberta, também precisa liderar uma operação de confiança com Susie Glass, a responsável pelo mercado e por tudo o que o império representa. Não satisfeito em simplesmente deixar os dias transcorrerem como se fosse tudo normal, Horniman se envolve e, motivado, sob pressão, por uma série de desencontros, desacertos, mortes e ameaças à família, acaba entrando no esquema. 

Ritchie também é humor. E é por isso que toda esta narrativa funciona. Ele consegue lidar com algo polêmico, pesado e escrupuloso arrancando de nós longas risadas com uma comédia sutil, mas muito presente em sua obra. Com oito episódios, a série apresenta suas personagens – destaque especial a Giancarlo Esposito e ao irmão Horniman, o ator Daniel Ings – Esposito interpreta um vilão perspicaz e frio, que numa primeira instância conquista sua confiança, te engana, te alimenta e depois te transforma em alimento e te tira do caminho. Ings é incrível, genial, inteligente e interpretar Freddy, o irmão mais velho da família, revoltado, inseguro, infantil e sem perspectiva de futuro foi algo que balanceou entre o cômico e o drama assustador. 


Um império de mil faces 

O império comandado pela personagem de Scodelario é um misto de culpa e a ausência dela; de ilegalidade e a não-preocupação com o sistema; de furo na segurança internacional e o lado cômico entre os chefes de Estado. É um império de mil faces que é muito bem representado pela face enigmática de Susie Glass. Ao mesmo tempo que Glass tem muito a nos dizer, ela dá dois passos para trás e nos deixa num escuro existencial: ou você confia e morre, ou você morre e confia. A série é intrigante, bem feita, com uma fotografia feita por Callan Green de tirar o fôlego. As cenas, as construções da narrativa, diálogos e as complexidades dos personagens centrais são muito bem centralizados no todo da obra. 

Está veiculando informações de que a série ocupar-se-á de apenas uma única temporada. Se assim for, sentiremos falta de elementos que tem um futuro brilhante e uma justificativa plausível para terem entrado na trama neste primeiro instante. Ela não funciona como antologia e nem como minissérie. Mesmo tendo amarrado a narrativa central, Ritchie inclui camadas que ficaram sem soluções e que nós não conseguiremos dormir sem saber o futuro de cada personagem e como que o sistema se tornará próspero com o duque real Eddie Horniman no comando.





Por Dione Afonso  |  Jornalista

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