06 Dec
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O tão esperado capítulo final chegou ao fim para os maiores salteadores (alguns chamam de anti-vilões ou até mesmo de Robin Hood) da história. Instruídos por El Professor (Álvaro Morte), os ladrões do Banco da Espanha vestidos com seus macacões vermelhos e mascarados com a caricatura de Salvador Dalí fecharam um ciclo em nossa história. Criada por Alex Pina, as cinco temporadas e os dois roubos do estado Espanhol chegou ao fim. 

Dispostos a desmantelar uma estrutura de governo e derrubar instituições estatais que sobrevivem sobre impulso econômico capitalista, personagens com nome de países invadem a Espanha com a finalidade de realizar o maior roubo da história. Primeiro na Casa da Moeda depois, no Banco da Espanha. De notas a barras de ouro, fundidas, e depois reconstruídas. Uma vez a maior reserva estatal fora de seus muros muito bem guardados e vigiados, o país entraria em colapso mundial, caso, esse time do “Bella Ciao” não obtivesse sucesso nessa empreitada. 

Pina conseguiu criar um universo muito original. Uma das maiores produções em língua não-inglesa que adquiriu destaque tanto de plays, quanto de críticas positivas. La Casa de Papel encerrou o seu ciclo original, mas deixa um legado e um futuro promissor com Pedro Alonso, o Berlim, que terá seu passado num spin-off


As narrativas por metalinguagem 

Quando houve a renovação da terceira parte de La Casa de Papel, o público ficou receoso sobre como que o reencontro de Tóqui, Rio, Nairóbi, Denver, Helsinki, Estocolmo, Lisboa, Bogotá, Marsella iria acontecer. Não demorou muito e a terceira e quarta partes não agradou muito o público quando assistiu a uma premissa sem fundamentos quando vimos Rio (Miguel Herrán) sendo pego pela polícia Internacional. Contudo, aqueles que persistiram até o final, mesmo atendo-se a fórmulas repetitivas, presenciaram um capítulo final grandioso. 

O segundo ato que se inicia com a invasão no Banco da Espanha dá-se com o intuito de tirar de dentro do banco toda a reserva de ouro que o Estado salvaguarda. A metalinguagem da trama, aí encontra-se com a história que o ouro carrega. Uma “mitologia” do ouro o considera como um objeto de maldição, inquebrantável, não degradável, um metal maldito. Nós apodrecemos, o mundo apodrece, mas o ouro permanece intacto, símbolo de uma imortalidade amaldiçoada. O paralelo perfeito a instituições que amaldiçoam o povo e a uma estrutura ancorada nessa mesma podridão que escolhe “imortalizar” alguns, os poderosos, banqueiros, milionários e, assassinar outros, os pobres, famintos, desempregados, vulneráveis. 

Nenhum outro metal causou tanta morte e tanta dor durante séculos, como o ouro. A ganância e a ambição levou homens, mulheres e crianças a escavar e arrancar do subsolo toda a preciosidade que o brilho do outro oferecia. Desastres ambientais, crimes socioambientais, assassinatos em nome de poder e riqueza, tudo por uma pepita de ouro bruto, mesmo antes de ser lapidado. Os que restaram tornaram-se sobreviventes ao metal dourado. 


“Bella Ciao” e o símbolo de resistência 

A famosa Bella Ciao é uma canção da Banda Bassotti, um grupo italiano, que era um hino da resistência contra o regime fascista de Mussolini na Itália. A banda nasceu em Roma na década de 1981. E o nome, em italiano, reverencia um bando de ladrões muito famosos da Disney, os Irmãos Metralha. A canção que se tornou sucesso na séria de Pina foi lançada em 1993, símbolo de resistência também para os “novos” ladrões que assombram as organizações políticas e econômicas atuais. 

Outro símbolo também presente na série é a máscara caricaturata de Salvador Dalí, um famoso pintor espanhol (nascido francês). Dalí é o mais importante nome da arte surrealista do século XX. Um símbolo de orgulho para o povo espanhol. Não obstante, a referência dessa simbologia em La Casa de Papel também um manifesto representativo para a arte clássica e um protesto em nome de expressões artísticas que moldam nossa cultura e nossa história. 

Não podemos dizer que esses personagens são exemplos para nossa história. Por meios errôneos, eles desmantelaram um sistema capitalista egocêntrico apoiados numa economia prisioneira de um grupo pequeno. Enquanto trilhões em ouro maciço é protegido pela polícia nacional, milhões de vida morrem de fome sem a proteção do mínimo para sobreviver. Contudo, não é pagando o mal com o mal que iremos construir um futuro melhor e mais justo. 


De Tóquio a Berlim 

Nunca ficou claro para nós porque que Alex Pina concentrou toda a narrativa em Tóquio (Úrsula Corberó), (com sua fala) e em Berlim (com o contexto). Fala e execução se aconraram em dois personagens não-protagonistas e não-vivos (Tóquio morreu no penúltimo ato enquanto Berlim, no fim da segunda parte). Essa tática narrativista nunca ficou claro. Mas ela valeu para entendermos de onde Tóquio veio e como ela chegou ao grupo. Também nos serviu para entender as motivações errôneas e sempre dúbias de Berlim. 

Agora Berlim inaugura um novo capítulo de sua história. Talvez veremos mais de Rafael, seu filho (Patrick Criado) e Tatiana, sua ex (Diana Gómez). Seguindo a lógica narrativa, talvez O Professor, Sérgio Marquina, irmão de Berlim/Andrés de Fonollosa possa aparecer na narrativa em off como Tóquio na série original. Por enquanto, damos adeus ao elenco de ladrões que dobraram os sistemas de segurança de todo um país afim de terem uma vida longe de tudo e de todos.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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