27 Mar
27Mar

A segunda temporada das adaptações da saga de Julia Quinn, Bridgerton, chega ao streaming da Netflix com um ambiente menos competitivo e mais intuitivo. As competições, brigas e atrações sexuais da primeira temporada deram lugar ao intimismo, ao ritmo mais lento e aos mistérios que rondam Lady Whistledown e aos dramas familiares envolvendo os irmãos Bridgertons. 

Os oito irmãos compõem-se de: Daphne Bridgerton (Phoebe Dynevor); Anthony Bridgerton (Jonathan Bailey); Eloise Bridgerton (Claudia Jessie); Colin Bridgerton (Luke Newton) e Benedict Bridgerton (Luke Thompson) continuam protagonizando as cenas de destaque das duas temporadas. Os mais novos Gregory Bridgerton (Will Tiston), Francesca Bridgerton (Ruby Stokes) e Hyacinth Bridgerton (Florence Hunt) seguem com suas aparições, dando destaque, no último episódio deste ano a Greg que, começa a se desenvolver meio que entrando numa promissora fase da adolescência. 

As novas adições da nova temporada prometem oferecerem à Rainha da Inglaterra novas competições entre o amor e a realeza de um casamento grandioso. As irmãs Sharma chegam com esse intuito. Não muito relevante, a princípio, a família que, mais uma vez é amparada por Lady Dunbury (Adjoa Andoh), assim como amparou o Duque na temporada anterior, pode trazer mais desgostos que a perfeição da realeza. 


O lugar social da mulher 

Bridgerton, sobretudo, nessa nova temporada, discute muito veemente o lugar social da mulher e qual o seu papel diante da comunidade ao redor. Muitos aspectos preconceituosos e até mesmo machistas – lembrando que o contexto da série é de anos atrás e, que a leitura aqui é simplesmente de atualização, não que a série tenha esse papel – são despertados entre nós, espectadores, que levantam debates essenciais para os dias de hoje. Dois pontos são mais provocantes: o primeiro vem das ações da jovem Eloise Bridgerton, que, mantendo o seu tom da primeira temporada, promete ser uma jovem revolucionária, feminista e que não está disposta a cumprir com os rigorismos das regras reais. 

A senhorita Bridgerton solta expressões como: “o clima da temporada mudou por conta da escolha de uma mulher”; “uma mulher resolveu dizer não”; “tudo porque ela resolveu mudar...”, e por aí vai... Contudo, Eloise se envolve amigavelmente com um jovem de classe baixa, um rapaz sem futuro promissor e que jamais participará do mesmo universo de uma Bridgerton. O ajudante da tipografia, Theo Sharpe (Calam Lynch) dá uma lição à jovem rica dizendo que o lugar de onde ela veio nunca a deu a chance de questionar sobre o que comer no dia seguinte. Não sabe o que é sujar as mãos com trabalho e não tem as preocupações do pagamento no fim do dia. Ela nunca saberá o que é ser pobre. 

Mais uma vez Eloise se depara com mais um conceito revolucionário: o da mulher não ter a chance de poder escolher o que quer ser e nem com quem deseja estar. E que o patriarcado ainda é o único estilo de vida aceitável para a sociedade.   


A mulher e o mercado de trabalho 

O segundo aspecto dessa discussão é suscitado pela própria narrativa de Lady Whistledown, a identidade secreta de Penelope Featherington (Nicola Coughlan). A senhorita Featherington vive, digamos, entre a cruz e a espada, entre decidir construir um futuro seu baseado em seu talento e sua força feminina ou o de viver como as irmãs em busca de um marido rico e, de preferência, carregando um título de nobreza. O alter ego, verbalizado pela Whistledown, vai, aos poucos, se confundindo com sua vida e suas amizades. Ter de sacrificar a confiança com Eloise foi o ponto alto dessa discussão ao ponto de expressar que o fato de poder construir algo ainda está distante com o fato desse algo se tornar concreto. 

Lady Whistledown também traz para o centro dessa conversa a vida da costureira Genevieve Delacroix (Kathryn Drysdale) que, por ser uma mulher trabalhadora, da classe baixa, sem marido ou sem qualquer outro homem que cuide de seus negócios, a torna segregada de toda e qualquer classe e convívio social. É inadmissível o fato de uma mulher poder, com a força de seu trabalho, poder construir sua casa, seu negócio, seu futuro, sua própria vida. Aliada à Whistledown, as duas começam a perceber que um futuro para elas é possível, partindo do ponto em que a mulher pode ser o que quiser, inclusive, trabalhadora e capaz de gerir seus negócios. 

Em meio a regras e a ríspidas normas, A Rainha Carlota (Golda Rosheuvel) e todo o escopo que a envolve é ancorada por títulos de nobreza e dotes puritanos de jovens moças debutantes. A temporada real é sempre marcada por bailes suntuosos nas quais as moças são ofertadas ofertando suas belezas e perfeições. A perfeição não é só na beleza estonteante de cada jovem, mas também na sua árvore genealógica. Qualquer escândalo ou qualquer ação que manche a honra da família é respingado nesse baile e interfere na escolha da Rainha e seu Diamante: a moça mais promissora da temporada. Escolhida o diamante, todos os homens a cortejam até que um pedido de casamento é feito e selado com um sim. 


O protagonismo necessário da família Bridgerton 

Indubitavelmente Lady Whistledown pode ter roubado a cena nessa segunda temporada. Se antes, a senhorita Featherington viveu sob o olhar da “gata borralheira”, agora, ela ocupa o centro das atenções, inclusive a da Rainha. Mas, num mundo em que a própria viuvez de uma esposa é vista como um escândalo na sociedade, o protagonismo da família Bridgerton ainda é necessário para costurar toda a trama. Claro que essa crítica não é em relação à série ou à adaptação das obras de Quinn. Muito pelo contrário, mas a discussão trata-se de um olhar de cada um de nós para o que ainda estamos vivendo hoje. Talvez, hoje, seja mais fácil pra população feminina poder gritar que lugar de mulher é onde ela quiser, no entanto, parece que em muitas estruturar de poder, a presença de um homem ou de uma força masculina ainda se faz necessária para que a voz das mulheres sejam dignas de confiança. 

Bridgerton acerta ao propor uma temporada mais focada nessas discussões internas e familiares que também explodem nas relações externas e institucionais. Até mesmo o amor de uma mulher pode ser substituído pelo dote que ela carrega por trás. Ou seja, seu valor é diminuído pelo simples pacote de títulos nobres e joias e poder dinheirista. Talvez Bridgerton erra em não propor uma solução costurada a todo esse escopo levantado. Mas talvez esse não tenha sido o seu objetivo. Do Duque ao Visconde, é notório que o que você é não parece ser mais importante que o título que carrega. O que vem antes do nome tem mais valor que sua própria identidade. Até mesmo a viscondessa vem depois do Visconde. 

Por fim, a série ainda acerta mais uma vez ao mostrar a fragilidade até mesmo do mais alto poder da Inglaterra: sua Rainha. Com toda a sua pompa, e poder, e riqueza, e vestidos e empregadas, sua fraqueza foi revelada, inclusive, diante das câmeras. Uma mulher que tem o dever de se manter forte e sem temor, ainda precisa controlar seu casamento com um rei louco que não sabe nem mesmo o próprio nome. A rainha pode não viver um luto, mas vive uma vida de total dedicação no leito de seu marido, um homem poderoso, mas que não deu conta do poder que possui.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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