22 Dec
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Bradley Cooper, que dirige, co-assina o roteiro junto de Josh Singer e atua como Leonard Bernstein, busca em Maestro a sua marca como diretor apegando-se a detalhes de cena imprescindíveis para que a narrativa funcione e encante quem a assiste. Este é o segundo longa-metragem que Cooper se arrisca na direção e, neste ele explora o uso dos planos fechados, quando estão em preto e branco, e quando chega as cenas em cores. A balança é equilibrada perfeitamente entre o sucesso e a profissão de Bernstein e seu casamento e família com a atriz Felicia Montealegre, interpretada pela perfeita Carey Mulligan. 

É interessante a forma que o filme estabelece o primeiro plano de sua narrativa, pois isto acontece em cena e logo no primeiro ato. Quando “as cortinas” se abrem vemos um jovem Leonard sonhador, bonito e sexy que, ao receber uma oportunidade ele vibra e corre. Logo em seguida, quando Felicia surge, a narrativa estabelece o que virá primeiro: portanto, Maestro é mais sobre a vida da família Bernstein, o casamento e os filhos de Leonard e Felicia do que sobre a sua carreira profissional. Claro, que os dilemas da fama vão aparecer e de forma bem trabalhada, mas Cooper quer nos fazer conhecer como foi a vida entre quatro paredes de Leonard, Felicia e seus três filhos.


O recorte narrativo 

A bissexualidade de Leonard Bernstein não ficou escondida, pelo contrário, as cenas escancaram isso à nossa frente desde o início. A escolha do diretor, portanto, não fez disso uma banalidade ou um foco que merecesse os holofotes, ela aparecia de forma natural e sem ferir a narrativa. O músico esteve casado com Felicia entre 1951 a 1978 e são estes quase 30 anos que dão vida, tom, cor e melodia à história que assistimos nessas duas horas de filme. Felicia, que sempre soube da condição do marido, não se deixou amargurar-se com isso, o que fez de seu casamento algo fora do tradicional, mas de muito respeito por parte dela com os filhos. 

Entender este recorte é essencial. Os holofotes estão voltados para a relação do casal e sua família. O amor pela profissão é reflexo daquele vivido a dois. As cenas que nos entregam os últimos dias de Felicia Montealegre são de cortar o nosso coração. Mulligan brilha com atuação digna de Oscar. O diretor, novato em sua jornada, foi muito feliz em trazer todo o drama de uma atriz consagrada e que ama seu trabalho – na mesma medida em que o marido ama a música – ter que lidar com um câncer de mama e ser vencida pela doença. Por isso que Cooper determina qual seria o primeiro plano da narrativa. Os outros elementos, incluindo a sua vida extraconjugal não entra em cena, mas o diretor consegue nos deixar pistas de que ela está por ali, coexistindo fora das câmeras com o que está em cena. 

A primeira cena é de 1943, na qual Bernstein precisa, de última hora, substituir um regente diante da Filarmônica de Nova York sem ensaios e sem preparação. Vemos o ator Matthew Bomer como David, o parceiro amoroso de Bernstein. Depois disso, saltos temporais impecavelmente trabalhados e editados com muito bom gosto e perfeição, nos leva a passeios resgatando as principais apresentações e como que a carreira de compositor e regente de Leonard Bernstein foi se consolidando. Nestes passeios, surge Felicia e nasce um amor lindo, puro, bonito e cheio de risos e gargalhadas. 


A mudança de época e um amor imutável 

O preto e branco na tela quadrada 1.33:1 evidenciando o audiovisual antigo e as filmagens de época mudam para a tela em cores, mais retangular, no quadro 1.85:1. Os flashbacks são muito bem posicionados e serviram de uma importante introdução para o espectador. Lembre-se que no início de tudo, antes do filme em preto e branco, ficamos, por alguns segundos, diante de um Leonard Bernstein em cores, idoso, diante de um piano, dando uma entrevista a um jornalista e suas câmeras. O filme, então, começa. Logo, a narração oculta coloca-nos num conto histórico revelando que a paixão, o amor e o encantamento que Bernstein tem pela música, ele o tem também pela sua família. É bonito vê-lo dizendo à esposa e aos filhos que os ama muito. 

Leonard e Felicia funcionam como que um ponto de encontro para tudo: para as apresentações, para a música, para os passeios, para os casos e acasos, para as brigas, enfim... tudo sempre volta para os dois, como um elo de fidelidade que só se romperá com a morte. O adágio “felizes para sempre, até que a morte os separe” aqui aconteceu como uma promessa, não feita diante de um altar, mas diante de cada um, como um sinal de respeito, de humanidade, de entrega, de amor. Parece-nos que há um limite do ponto de vista narrativo, contudo, estamos diante de duas atuações que merecem todo o nosso reconhecimento: Cooper e Mulligan brilham em cena, quando estão juntos, ou quando estão com outros atores, eles entregam o melhor de si em cada ato. 

Outro ponto relevante a destacar é o fato de Bradley Cooper dar ao filme um tom mais sensível com a presença de Mulligan que, por vezes, assumia o protagonismo da história. Isso revela que, na história do músico, Felicia foi o seu grande porto seguro, foi aquela que dava equilíbrio às suas distrações, loucuras, inseguranças, medos e até às brincadeiras. Reconhecer isso é um grande passo para o reconhecimento de um cinema que olha para as mulheres, para as atrizes, para aquelas que também estão na história com mais apreço, reconhecimento, respeito e humanidade.





Por Dione Afonso  |  Jornalista

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