01 Jul
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Amor-próprio. Até em que ponto ele é saudável?  

Assistindo à série Loki, produzida pela Marvel Studios e Studios Disney, chegamos no quarto episódio acometidos por essa indagação. Para quem não conhece, Loki é um personagem do universo de super-heróis da Marvel. No cinema ele apareceu ao lado do irmão Thor, o deus do trovão rebelando-se contra os seus em busca de glória e reconhecimento. Suas ações o levaram a unir-se num plano de vingança e dominação e, portanto, tornando-se vilão, Loki incomodou os Vingadores, os heróis mais poderosos da Terra. Desde então, o deus da mentira vive tramando a sua vingança em busca de conquistas. Tudo para mostrar seu valor ao pai adotivo, Odin, do Reino de Asgard. 

Calma, que já vamos chegar ao tema principal. Loki é descendente dos Gigantes de Gelo de Jotunheim e, neste Reino, ainda bebê, ele estava condenado para morrer. Ao ser “salvo” por Odin, teve então, uma vida junto dos asgardianos como filho adotivo de Odin, Rei de Asgard. 

Loki é um feiticeiro. Uma de suas especialidades é se transformar em outras figuras, outros seres, passar-se por outras pessoas. Na nova série da Marvel que ganha seu nome, o deus da trapaça é lançado numa nova linha temporal. Diferente da que assistimos até então no cinema. O Loki que vemos agora está num novo espaço-tempo lidando com outras situações. E aí chegamos ao título desse ensaio. Loki é narcisista. Egoísta. Ciumento. Ambicioso. E sempre age em benefício próprio. A vida alheia não lhe diz respeito. O que o outro faz só tem sua atenção se lhe beneficiar de alguma forma. 

Sua personalidade é explorada agora com mais pessoalidade. Loki se desdobra em suas mais diversas formas. Distribuído nas linhas temporais que se ramificaram, Loki se vê frente a frente de suas outras formas variáveis. Seu endeusamento é visto muito claramente quando ele se alia a ele mesmo numa versão sua feminina com segundas intenções. 

Loki gosta de estar no comando de tudo e de todos. E quando ele percebe que não pode comandar a si mesmo, ele tenta se autoenganar. Ele é o deus da trapaça, e para conseguir o que quer, é capaz de sabotar ele mesmo, as vezes até mesmo destruir sua versão variável afim de conseguir o que deseja. 

Loki cultua a sua própria imagem. Declara amor eterno a si mesmo espelhado em sua Variante. Só um Loki é capaz de amar o próprio Loki. Ele não ama ninguém a não ser a si mesmo. Ele não é capaz de ajudar a ninguém a não ser a si mesmo. Até onde é saudável o culto ao próprio umbigo? Até em que ponto o amor-próprio pode se tornar autoestima e fechamento de si? Quando questionado sobre o amor verdadeiro, Loki é, no mínimo, descrente. Comparar o amor com algo irreal e que machuca é bem condizente com o que crê: “O amor é uma adaga. É uma arma para ser empunhada longe ou perto. Você pode se ver nela. É bonita. Até que te faz sangrar. Mas, por fim, quando você a pega... Não é real. O amor é uma adaga imaginária”.  

Amor-próprio. Ao explorar a identidade do personagem, a série investe numa aventura de autodescoberta. É preciso se descobrir. Entender e conhecer quem se é, para, enfim, descobrir quem você quer ser para o outro e quem você enxerga que o outro seja para você e com você. 

Quantos de nós enxergamos o amor como essa ameaça ou algo fictício e imaginário? Quantos de nós não somos capazes de nos olhar no espelho e aceitar quem somos? Quantos de nós vive o drama de não ser aceito nem por mim mesmo e nem pelos outros? Quantos de nós, vivemos escondidos, pulando de um looping temporal para outro – escondendo-nos em armários – porque revelar nossa identidade pode ferir a sociedade? Quantos de nós não podemos viver livres porque a liberdade nos é negada porque decidimos ser diferentes? 

O amor-próprio é saudável até o nível de autoaceitação. A partir daí, ele precisa se transformar em amor-alter, amor para o próximo, para o outro. Olhar para o outro com amor quebra o ciclo do Mito de Narciso. De tanto se admirar, perdeu-se em sua própria imagem. Loki preocupa-se tanto com suas conquistas que não se dá conta dos que vivem à sua volta, prontos para viverem juntos com ele. E, assim, vão-se criando outras imagens, outras variáveis, afim de cultuar a própria imagem e os próprios desejos. 

Para concluir esse ensaio, é importante afirmar que um dos objetivos de Loki, disponível na plataforma de streaming da Disney Plus era ajudar o protagonista a descobrir-se, a se revelar, mostrar quem é de verdade. E, com a direção da impecável Kate Herron, a identidade bissexual de Loki é mostrada de maneira muito sutil, mas profunda. Não é algo forçado e nem fora de contexto. É entre um diálogo amigável e sincero que se revela os desejos mais pessoais da identidade de cada um de nós. Hoje, a comunidade LGBTQIA+ luta unida por uma sociedade mais humana e igualitária. Vivemos tempos em que a política não os representa, o sistema social não os acolhe e a humanidade não os enxerga, mas Herron e o Universo do Cinema está aqui para dizer que, coisa de herói e apresentar, representar e respeitar toda forma de heroísmo entre nós. Defender toda forma humana de amor é um ato de herói. E, por isso, Loki se faz nosso herói. 




Dione Afonso  |  Jornalismo PUC Minas

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