03 May
03May

Nova investida dos estúdios da A24 tem a direção de Alex Garland, seu 4º longa-metragem. Garland expõe em tela um conflito que divide os Estados Unidos e coloca a população à deriva dentro de uma disputa política que não se tem muito o que explicar. Seu filme é muito simples: há uma guerra, uma disputa de poder e cada um tenta tirar seu proveito dentro dela! A guerra tem suas faces e seus lados; em Guerra Civil esta premissa não é diferente. Ela nos obriga a tomar uma posição, até mesmo aquela cidadezinha que ignora o fato dela estas acontecendo fora de suas fronteiras. Aquela cidade também escolheu a sua posição: a de não se envolver e de fingir que nada está acontecendo. Assim, eles sobrevivem, como covardes, é claro, omissos, mas, vivos. 

Wagner Moura, Kirsten Dunst, Stephen Henderson e Cailee Spaeny é uma equipe de jornalistas que decide furar esta bolha, ir atrás dos fatos e entregar, de primeira mão, o que o presidente dos EUA pensa. Moura é Joel, um repórter da Reuters; Dunst é Lee Smith, uma fotojornalista renomada e conceituada pelo seu trabalho; Henderson é Sammy, jornalista do The New York Times e Spaeny é Jessie Cullen, uma jovem apaixonada pela fotojornalismo e acaba embarcando numa jornada perigosa com estes profissionais da imprensa. O que atravessa dolorosamente as nossas vísceras é que Guerra Civil é menos sobre a mais e mais sobre o que se pode, ou o que devemos falar [ou fotografar] sobre ela. 


O que aconteceria se... 

Seria otimista de nossa parte tentar desvendar o que Garland pretende com esta narrativa e com os cenários que ficam por onde a guerra passou. Mas, o coração do filme está nesta equipe de jornalistas que decidem sair de NY, atravessar a zona de conflito e chegar à capital afim de entrevistar o presidente, que se encontra protegido na Casa Branca. É esta a história que nos vale! Nessa jornada, enquanto Dunst nos entrega uma profissional mal-humorada, já calejada pelos ofícios da profissão, com aquele ar de que, nada mais me assusta, já vi de tudo, já fotografei de tudo; por outro lado, quando olhamos para as investidas famintas de Spaeny, vemos uma jovem otimista querendo fotografar tudo, clicar em tudo, registrar tudo, com aquela sede de, um dia, se tornar uma grande profissional. 

Especialista em cultura, mídia e fotografia, aquele que já passou pelo jornalismo, inevitavelmente ouviu falar de Susan Sontag [1933-2004]. Em seu livro Diante da Dor dos Outros, publicado um ano antes de sua morte, Sontag diz que a fotojornalismo é um recurso que precisa nos permitir sentir a dor da guerra; sentir a dor de quem está do outro lado das lentes da câmera. Quando Jessie fotografa soldados sendo mortos diante de seus olhos; quando ela fotografa homens em chamas... ela sente... consegue sentir que a profissão que almeja pode não ser tão generosa assim. Ela tem o lado escuro e cruel. Rob Hardy, Diretor de Fotografia também desempenhou um belo trabalho quando precisou do foco em tiros, bombas, sangue, corpos... 

Pode haver mil motivos para que esta guerra tivesse tido o seu estopim. Mas, não nos cabe aqui dizer qual foi, Garland não se achou nesse direito também. Hoje, há muitas guerras civis acontecendo ao nosso redor, basta estender nosso olhar um pouco além do horizonte que nos cerca e perceber que ainda há muitos sobreviventes tentando se defender dentro de um conflito de interesses enquanto seus chefes permanecem protegidos e escondidos em suas redomas. 


Pelas lentes e olhos do jornalismo 

Não ousamos, também, afirmar aqui que este trabalho homenageia o jornalismo e os profissionais da imprensa. Talvez estivéssemos reduzindo a obra a este mérito, não que o jornalismo seja algo pequeno, ele não é. Mas, que Guerra Civil se propõe a colocar em cena um jornalismo que enfrenta de tudo e todos para chegar onde deseja, isso é fato. A cena final, na Casa Branca, diante do presidente, com Joel não se esforçando nem um pouco em salva-lo e extrai dos lábios dele o suficiente para a sua matéria é a síntese de toda a obra de Garland. 

A realidade da guerra, pura e honesta é mostrada pelas lentes dessas pessoas que se expõe, que vão atrás, que encaram soldados e civis para extrair o mais verdadeiro possível de um conflito. Wagner Moura é bom no seu papel, mas, é inevitável não afirmar que quem rouba a cena é a coadjuvante Spaeny. Sua presença nessa road trip consegue conscientizar a personagem de Dunst, quando esta percebe que por mais que suas profissões tentam “revelar” a realidade, passa dia após dia, a situação não muda. Mais uma vez, referenciar Sontag se faz necessário: fotografar por fotografar não “é tornar-se espectador das calamidades”, e isso não é profissional; mas, registrar, captar o que o outro sente num clic que você der, isso sim, é fotojornalismo! 

“A foto só tem uma língua e se destina potencialmente a todos”, afirmou Sontag. Guerra Civil torna-se palco de um evento calamitoso e sangrento para a imprensa poder manifestar e mostrar o desejo por um trabalho desafiador. Sontag nos alerta, ainda que câmeras, canetas e filmadoras podem registrar o sofrimento, as mortes, as explosões, contudo, e infelizmente, tudo isso passa e a guerra vai continuar acontecendo aqui e ali. Portanto, o que Garland faz é nos provocar por uma via bem mais visceral e intimista do que passear por cima, nos helicópteros, assistindo, como espectadores o que a guerra destrói e mata lá em baixo.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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